Quarentena já provoca fome nas famílias da periferia de Sobral
Com lágrimas nos olhos e bastante emocionada, a diarista Maria da Conceição dos Santos (35), moradora do bairro Parque Santo Antônio, na periferia de Sobral, revela que tem chorado muito nas últimas semanas, por falta de trabalho.
A limpeza de residências, além da pequena renda do Bolsa Família, é o sustento dela e dos 4 filhos, com idades de 17, 8, 2 anos, e o mais novo de cinco meses. Maria da Conceição cria todos sozinha, na pequena casa de dois cômodos, onde a família se organiza como pode. Além da pobreza, o que chama a atenção é a falta de perspectiva estampada na cara da mulher. O olhar é de dor e desespero, desde que a determinação de quarentena por causa do coronavírus tomou conta de Sobral.
O fechamento do comércio e a regulação do atendimento ao público em diversos serviços, assim como a determinação de que as pessoas fiquem em casa, mudaram radicalmente a rotina das pessoas mais simples e vulneráveis, que levam, em muitos casos, uma subvida.
Há cerca de duas semanas, por causa de desnutrição, o filho de 2 anos de Conceição foi incluído no programa do município que tem garantido alimentação a muitas crianças, nesse período. “ Só assim, eu tenho conseguido dar comida a ele. Mas a situação tem sido muito difícil. Tem horas que eu não sei o que fazer. Os patrões me dispensaram, e se estava ruim, ficou pior. O último dinheiro que eu tinha eram R$ 10, que comprei hoje de arroz e linguiça para almoçar. Tem horas que eu choro escondido dos meus filhos”, revela a mulher.
No bairro Sinhá Sabóia, o flanelinha Janilson Marques Camilo (44) diz que tem passado dias difíceis ao lado da mulher e da filha de 2 anos. A pequena casa alugada a R$ 200 faz parte do pacote de contas mensais que ele tenta manter em dia com a vigília de automóveis, em um ponto no Centro da Cidade.
Sem clientes, Janilson tenta lavar carros e motos na porta de casa para não ficar completamente sem renda. “Fazem 4 semanas que estou parado. Eu tirava cerca de R$ 300 reais por semana cuidando e lavando veículos, mas faz tempo que não vou ao ponto. Está vazio. Acabei de comprar meio quilo de feijão para juntar com um pouco de arroz e carne moída de ontem para comer hoje. A minha filha tem se alimentado com ajuda dos padrinhos que trazem uma coisa ou outra, porque senão, não dava. Se continuar assim, vou ter que sair pedindo na rua, porque não vou morrer de fome”, afirma o flanelinha, com a filha no colo.
Ainda no Sinhá Sabóia, um mecânico de motos que não quis se identificar, disse que foi orientado pelo prefeito Ivo Gomes pessoalmente a fechar a oficina, mas segue atendendo um cliente ou outro, porque não tem como ficar completamente parado. “Ele pediu para fechar o comércio. Tivemos que aceitar, pois veio com a polícia, no sábado passado. Mas dias depois eu tive de voltar a atender, um ou outro cliente, de portas fechadas, porque tenho que sustentar meus três filhos e a mulher. Essa é a única renda que tenho”, explica o mecânico, enquanto conserta a corrente de uma motocicleta.
Dentro do isolamento social, o fato é que as histórias de angústia de moradores de Sobral como Maria da Conceição, Janilson Marques e o mecânico, se juntam ao relato de Francisco José Júlio da Silva (49), que vende doces em um sinal da Avenida Fernandes Távora, próximo à estação de embarque do VLT, no bairro Dom Expedito. O homem diz que a venda caiu pela metade com a quarentena, por causa da queda no fluxo de veículos na via. “É daqui que tiro o meu sustendo, da mulher e dos três filhos. O apurado caiu muito nesses dias sem movimento. E pelo que vejo, não vai passar tão cedo; e a gente tem que tentar se virar como pode. Não sei o que fazer”, lamenta.
Nas redes sociais e nas rádios, o prefeito Ivo Gomes (PDT) segue orientando as pessoas sobre a quarentena, que acompanha a determinação do governo do Estado. O isolamento social foi prorrogado por mais 7 dias, pelo governador Camilo Santana (PT), na noite deste sábado (28). O Decreto Estadual sobre Isolamento Social se estenderá até domingo, 5 de abril.
Segundo a evolução do coronavírus divulgada pela Secretaria de Saúde do Estado, o Ceará é o terceiro com mais casos (283), antecedido pelos estados do Rio de Janeiro (493) e São Paulo (1.223). Sobral possui 278 casos suspeitos da doença (pessoas que aguardam o resultado de exames ou coleta), além de 5 casos confirmados (aqueles com resultado positivo para o coronavírus), e 13 pessoas internadas (casos suspeitos ou confirmados que precisam de cuidados hospitalares).