No Ceará mais da metade da população diz ter tido algum sintoma ligado à saúde mental na pandemia, diz pesquisa

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Ansiedade, medo e pânico foram alguns do sinais indicados no levantamento feito, em março, pelo Instituto Opnus nas diferentes regiões do Estado.

Com a crise sanitária assolando o Brasil há mais de um ano, o convívio social alterado, e uma segunda onda cujos casos e óbitos por Covid são numerosos, a população do Ceará, sente os impactos não só na saúde física.

Uma pesquisa realizada entre os dias 27 e 30 de março, pelo Instituto Opnus, revela que 53% dos cearenses afirmam ter tido algum sintoma relacionado à saúde mental na pandemia.

No levantamento realizado em todo o Estado foram entrevistadas 1.380 pessoas acima de 18 anos, que têm telefone celular. No estudo, a distribuição da amostra segue cotas por sexo e idade nas diferentes regiões. A margem de erro é de 2,6 pontos percentuais.

Do total de entrevistados 52% são mulheres e 48% homens. Na vivência da pandemia de Covid, em que há necessidade de equilibrar as diversas consequências das limitações impostas pelo vírus, os cearenses descreveram ter sentido: ansiedade (30%), medo (27%), insônia (11%), estresse (5%) e pânico (2%).

A pesquisa também indagou sobre a busca por atendimento por conta do sintomas emocionais e psicológicos. Do total, 23% dos entrevistado relataram que buscaram médicos e psicólogos. Além disso, a população com mais escolaridade foi a mais afetada, pois 67% dos entrevistados afirmaram ter tido algum sintoma.

Entre os jovens com até 24 anos, o percentual é maior, ao todo, 63% desse público indicou ter sentido algum desses sintomas. Quando é feito o recorte de gênero no total de entrevistados, entre as mulheres, esse índice foi de 62%.

Conforme o diretor do Instituto Opnus, Pedro Barbosa, o contexto de isolamento social ajuda a entender por que mulheres e jovens estão entre os grupos mais psicologicamente afetados.

Com a presença dos membros da família em casa por mais tempo, é comum que as mulheres assumam o comando das tarefas domésticas e trabalhem – mesmo em dupla jornada – para preparar refeições ou auxiliar os filhos com as obrigações escolares, por exemplo.

Consequentemente, se sentem mais estressadas e propensas a apresentar sintomas emocionais. “As mulheres têm  mais medo e estão mais preocupadas com a pandemia, com uma percepção um pouco mais pessimista que a dos homens. A gente percebe [nelas] uma sensibilidade maior” nesse contexto, corrobora Pedro.

Ele lembra ainda que a interação social presencial talvez seja fator “ainda mais importante” para o jovem, cuja rotina é normalmente mais agitada. Por isso, a dificuldade de lidar com o atual cenário.

“Deixar de encontrar amigos na faculdade, de sair pra jogar futebol, de ir para uma praça, uma praia é algo que pesa muito para o jovem. Mas, sem dúvida, para as mulheres, foi algo muito forte”.

Outro ponto importante da pesquisa a ser analisado, acrescenta o especialista, é de que a maioria das pessoas que declararam sofrer impactos na saúde mental tem maior escolaridade. Para o diretor do Instituto, o resultado indica como o tema ainda é tratado como um “tabu”, sobretudo, pela população com menor escolaridade.

“É possível que esses públicos não só sentiram mais forte a pandemia, mas talvez sejam grupos de pessoas mais abertas a tratar desses temas como uma questão de saúde, a falar que tiveram esse tipo de sintomas”.

Portanto, abordar um tema ainda considerado “cheio de desinformação” na pesquisa, soma Pedro, é importante para levar outras pessoas a se reconhecerem, entendendo “que o que estão passando é normal. E que possam procurar a melhor forma de trabalhar esse momento que todo mundo está vivendo”.

No último ano, os relatos de sensação de ansiedade e medo, dentre outros, têm se multiplicado. Portanto, é necessário saber diferenciar quando tais sintomas ultrapassam o nível comum e se tornam alarmantes.

A psicóloga e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Luciana Martins Quixadá, explica que “todo e qualquer sintoma que venha a trazer prejuízos significativos à qualidade de vida de uma pessoa, por exemplo, insônia, falta de apetite ou outro distúrbio alimentar, tristeza excessiva, agressividade e irritabilidade constantes, falta de concentração também constante, entre outros, é algo para se ter atenção”.

De acordo om ela, se o sintoma é recorrente, duradouro e vem acompanhado de outros que também são limitantes às atividades cotidianas e essenciais, “a busca por atendimento psicoterápico é bem vinda e necessária”. Tal iniciativa, explica, é necessária “porque é preciso barrar ou reduzir a evolução sintomática”.

Outro fator é que o isolamento social é uma das medidas necessárias na pandemia por questões de segurança sanitária, mas deixa efeitos.

A psicóloga reforça que “Algumas pessoas já estão com dois aniversários sem receber os abraços de familiares e amigos. Outras sentiram o luto pela perda de seus entes queridos sem as tradicionais despedidas. Tivemos que lidar de um jeito totalmente novo com experiências marcantes das nossas existências”.

Todas essas alterações, destaca, trazem fortes impactos sociais e emocionais “porque há momentos em que só o colo do outro faz todo o sentido”.

Luciana explica que “alguns de nós têm uma maior capacidade de resiliência, ainda mais diante do reconhecimento da importância do distanciamento social nesse momento, fazendo uso frequente das mídias e ambientes virtuais”.

Mas, outros, embora reconheçam a necessidade disso, burlam as regras e fazem aglomerações clandestinas. “Sabemos que cada um lida com suas limitações emocionais a seu próprio modo, mas temos que reconhecer que alguns põem seu desejo acima do direito coletivo de que tudo isso acabe o quanto antes. Eticamente, está certo isso?”.

Para enfrentar os próximos períodos e reduzir os danos à saúde mental, a psicóloga opina que “as escolhas para enfrentar o sofrimento gestado pelo isolamento não fazem parte de uma receita comum, pois elas vão ser tecidas de acordo com os diferentes processos subjetivos pelos quais passamos”.

Assim, cada pessoa precisa encontrar as próprias medidas de autocuidado e proteção, segundo ela, buscando realizar atividades que “tragam prazer, mesmo isoladas em casa, e se afastando de hábitos ela perceba que lhe fazem mal”.

Luciana reforça ainda que “saúde mental não é um problema apenas do indivíduo. Há contextos sociais e culturais mais adoecedores do que outros. O que posso dizer é que, se o cenário que vivemos nos causa sofrimento e não estamos conseguimos lidar com isso sozinhos, precisamos pedir ajuda, seja de um amigo, um parente ou um profissional da área de saúde mental. Precisamos falar sobre o que sentimos e sermos acolhidos”.

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