CPI da Cloroquina faz Senado passar vergonha

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Se o instituto da quebra de decoro fosse levado a sério no Congresso, a maioria dos componentes da CPI da Covid deveria ser levada ao conselho de ética para responder por seus reiterados desmandos durante as sessões, que atingiram o píncaro neste primeiro de junho, o dia da vergonha. O festival de grosserias, exacerbação de machismo e misoginia foi desfechado contra a médica Nise Yamaguchi, oncologista e imunologista.

Não se levou em conta nem seu conhecimento técnico e científico, muito menos gênero e idade. Uma senhorinha de 62 anos, com paciência de budista, foi obrigada a ouvir impropérios despropositados de uma CPI composta unicamente por homens, que tem tratado as mulheres com desrespeito e desprezo. Dra. Mayra Pinheiro foi vítima de “manterrupting”, mecanismo pelo qual o homem interrompe constantemente uma mulher, impedindo que ela conclua suas frases e pensamentos. Contra Dra. Yamaguchi, fizeram muito mais.

As grosserias e boçalidades foram muitas, mas podemos destacar três expoentes que se esmeraram em envergonhar o senado brasileiro: Omar Aziz (AM), Renan Calheiros (AL) e Otto Alencar (BA). Este último, o mais velho do trio (74 anos), foi o maior responsável pelo vexame. O presidente da CPI começou cheio de floreio, elogiando a doutora pelo que dissera os amigos dela. Era só dissimulação. Logo em seguida, grosseiramente disse que retirava os elogios, afirmou que ela mentia e ameaçou cancelar a oitiva na condição de convidada, para ouvi-la posteriormente, quando seria convocada como testemunha.

Mal compreendida quando explicava o teor de vídeo em que ela falava no início da pandemia que não se podia sair vacinando aleatoriamente, o animal que já foi governador do Amazonas bradou: “Não ouçam ela, não ouçam ela, a vacina salva”. É claro que ele não queria compreender. Não se podia vacinar aleatoriamente, o Plano Nacional de Imunização estabeleceu fases e prioridades da vacinação. Era óbvio que não poderia jamais ser aleatória, mesmo porque não havia vacina para todos no mesmo momento.

Renan, numa tentativa de se mostrar racional e cartesiano, fingia não entender: “Ou a senhora se retrata ou mantém o que falou”. Embalde, a doutora tentava explicar, mas não conseguia nem balbuciar, pois imperava a glossolalia dos maus espíritos que comandam a CPI. Ela falava baixinho: o que eu disse antes servia para circunstância de então, não tem o que retirar ou se retratar. Mas não posso manter, pois já não serve para hoje. Nem tão complexo ou sofisticado o pensamento, mas era demasia para o raciocínio binário dos trogloditas.

O espetáculo deprimente ficou por conta do representante da Bahia. Tentou fazer pegadinhas com a doutora que parecia estar perplexa, como uma professora diante da traquinice de um aluno malcriado. Perguntas tolas que não levavam a nada para esclarecimento da CPI, servia apenas para alimentar a truculência do coronel do cacau. Qual a diferença do vírus para o protozoário? A doutora, constrangida, respondeu. Ele gritou dizendo que a resposta correta da mestra estava errada.

Perguntou qual o teste para provar a imunidade. A professora falou “anticorpos neutralizantes”. Aos 74, deve ter problema de surdez, devia estar com a bateria fraca do aparelho auditivo. Só isso, ou falta de caráter, para justificar o que veio em seguida. Ele berrou que ela não sabia e repetiu as palavras dela: anticorpos neutralizantes. E não adiantou ela lembrar: “Foi o que eu disse”. Insistia nas pegadinhas: Qual a família do coronavírus. E ela respondeu: coronavidae. Aí, o sabichão saltou: “É não, é beta coronavírus. Mas a resposta certa é a da professora Yamaguchi.

Foi tão acintoso o festival de afrontas e “manterrupting”, que fez a senadora Leila Barros (do Vôlei) sair do seu gabinete para reclamar: “Ela não está conseguindo terminar UM raciocínio”. Leila lembrou que é da oposição, mas reclamou do massacre a que estavam submetendo a convidada. Renan se aligeirou a dizer que a estava tratando com respeito, assim como Omar, que tentou enquadrar também a senadora: É porque a senhora chegou agora”. Cínicos.

Vergonha, vexame para o senado. O desrespeitoso senador baiano deve desculpas à Nise Yamaguchi, deve desculpas à classe médica, deve desculpas às mulheres, deve desculpa à sociedade brasileira. Se o que presenciamos naquela sessão não for quebra de decoro, o que mais poderia ser?

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