O cruzado da urna eletrônica
O ministro Luís Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), virou um cavaleiro templário, guardião do santo graal da urna eletrônica, numa verdadeira cruzada contra o voto impresso auditável. Como seguidor de uma seita, defende o dogma da infalibilidade da urna eletrônica – indevassável, segundo ele. Barroso promove palestras, dissemina vídeos, faz campanha publicitária para promover o atual processo, numa resistência que eleva as suspeitas que já pairam sobre ele.
Na verdade, o termo voto impresso é apenas o nome de fantasia que simboliza a possibilidade de auditar o processo em caso de suspeita de fraude, o que não existe hoje, por mais que a Justiça Eleitoral diga o contrário. Ele usa o termo para sensibilizar o imaginário da população como se o voto auditável significasse o retorno à votação por meio de cédulas, um passado que não agrada nem aos saudosistas. Aonde vai, o ministro distribui falácias, como comparar o voto impresso ao retorno do videocassete ou ao orelhão da telefonia. Mas é o ministro que prefere o “Nókia Tijolão” (feat Jorge & Matheus).
O Brasil ainda usa a primeira geração das máquinas coletoras de votos. Entre os países que usam o dispositivo, ladeia com os poucos que ainda não dispõem da possibilidade de imprimir o voto. Segundo matéria da insuspeita Folha de S. Paulo, “só o Brasil, Bangladesh e Butão usam urna eletrônica sem comprovante do voto impresso”. A maioria dos países que usam urnas eletrônicas já está na segunda geração dessas máquinas. Além do avanço tecnológico, o voto impresso traz mais segurança e transparência ao processo de votação. Em tese, é tudo que desejaria a autoridade eleitoral. Por isso, não se entende tamanha resistência de Barroso à novidade que está sendo gestada no Congresso.
Luís Roberto Barroso, que se diz iluminista, tem se utilizado das sombras para esgrimir argumentos insustentáveis, como a de que o voto impresso trará o inferno existencial, que a vida será pior, o retorno das fraudes, que seria um recibo, para comprovar no caso de compra de voto ou de pressão de bandidos sobre moradores de comunidades. Tudo mentira ou vaticínios de falso profeta. Ninguém tocará o impresso, nem poderá fotografar ou filmar para comprovar a quem quer que seja.
Também não haverá recontagem de cerca de 150 milhões de votos, só no caso de suspeita de fraude, com fortes indícios, e, ainda assim, por amostragem. Barroso afirmou que o aterroriza a possibilidade de judicialização do processo. O que me aterroriza é um supremo juiz se aterrorizar com a possibilidade de se buscar a Justiça para resolver conflitos. Logo ele, que acaba de se meter no Legislativo, determinando a criação da CPI da Covid, que seria objeto de decisão do Congresso.
Numa fala que parecia uma afronta, Barroso chegou a afirmar que, se o Congresso aprovar, o presidente sancionar, e o Supremo não colocar obstáculo, ele vai implantar o voto impresso. Sobre essa declaração, ele foi alvo de repreensão pública do presidente Bolsonaro numa live, que se dirigiu ao próprio ministro: “Que história é essa? Respeite o Congresso. Vai ter voto impresso auditável, sim, nas próximas eleições!”
O ministro deve ter se baseado na “jurisprudência” do STF. O Congresso já aprovou uma proposta de emenda constitucional do voto impresso, que foi vetada pela então presidente Dilma Rousseff. O veto foi derrubado, mas a PEC não prosperou, pois foi barrada no STF, por inconstitucionalidade. Segundo os togados, colocaria em risco o sigilo do voto. Incrível.
Barroso brande sem pejo o fato de até hoje não ter comprovação de fraude. Claro, o sistema não permite. O certo é que tem conserto. A nova PEC tramita acelerada no Congresso e deve ser sancionada pelo presidente. De acordo com o princípio universal de “cada um no seu quadrado”, Barroso deve segurar o choro e preparar o TSE para as primeiras eleições com voto impresso pelas urnas eletrônicas. O debate é bom. Se não gosta do papel, temos alternativas, como no sistema das criptomoedas. Não há fraudes no bitcom.