O desabrochar da Rosa
Nos últimos tempos, parece haver uma competição entre os ministros do Supremo Tribunal Federal para ver quem melhor dá o seu pior. Os homens já demonstraram sua desfaçatez em ações que trafegam de um polo a seu oposto, com igual vigor argumentativo, como no caso da prisão em segunda instância quando houve demonstração da inteligência e do caráter de Gilmar Mendes. As mulheres também fizeram das suas. E até a sempre discreta Rosa Weber começa a desabrochar.
O último cavalo de pau jurídico (Lula x Moro), quando houve a canonização do triplo condenado e a satanização do mocinho, teve um preponderante papel feminino. O juiz rigoroso, que perdeu a magistratura e a majestade pela picadura de uma mosca azul ao adentrar no mundo político, merecia uma estátua no pátio dos tribunais. Pela primeira vez se viram poderosos do mundo político e empresarial puxando cadeia. Mas o ex-juiz se perdeu nas franjas ideológicas da disputa pelo poder.
Esse assombroso caso de inversão de valores desempenhado por despudorados magistrados vai ficar para a história. Depois de o processo percorrer por várias instâncias e decisões, o ministro Edson Fachin recebe uma iluminação. Quase a gritar “Heureca! Descobri como salvar o Lula”, decidiu que qualquer território poderia julgar o petista, menos Curitiba. E o processo é anulado, devendo recomeçar em outras paragens.
Na mesma vibe, e imediatamente, Gilmar Mendes destrava a votação de um processo que arguía a parcialidade do Moro do qual pedira vista há dois anos. Chegara, enfim, o momento do seu voto rebentar. Não bastava livrar Lula, era necessário execrar o juiz. Com o auxílio luxuoso da mudança de voto de Carmen Lúcia, é decretada a parcialidade de Moro. Desmorona todo o conjunto de processos, depoimentos, provas, quase a inocentar o ex-presidente que se tornara presidiário.
Depois de colocar as asinhas de fora com a mudança de voto, sem que nenhum fato novo o suportasse, Carmencita foi mais ousada recentemente num enfrentamento com o Exército que a deixou desmoralizada. Provocada por partidos políticos, cobrou das Forças Armadas o motivo de classificar como sigiloso o processo em que o Exército resolveu não punir o general Pazuello por participação em ato político ao lado do presidente Bolsonaro, durante uma motociata no Rio de Janeiro.
Num manifesto tão curto quanto desmoralizante, o Exército disse que cumpriu a Constituição, e que se trata de assunto interno, por dizer respeito “unicamente a uma relação personalíssima entre um militar e seu comandante”. Não haveria interesse público acobertado. E pronto. Dava para dormir sem essa.
A outra que começo a desabrochar é Rosa Weber. Pétala por pétala, suas decisões vão da incongruência à fundamentação rasa. Primeiro, livrou a cara do governador Wilson Lima, do Amazonas, desobrigando-o de comparecer à CPI da Covid. Logo depois, estendeu a regalia aos demais governadores do consórcio Nordeste. O STF, num movimento esquizofrênico, determinou a abertura da CPI – numa intervenção no Legislativo – a fim de investigar desvios de recursos para combater a pandemia. Ao mesmo tempo, tira as condições de investigar esses desvios.
O caso mais fulgurante de Rosa se deu nesta segunda-feira (28/6). Ao responder a OAB do Distrito Federal, que pleiteava a suspensão da quebra de sigilo fiscal e telemático de um advogado, determinado pela CPI, a magistrada não só recusou o pedido, como ainda teceu argumentos simplórios com perfeito desconhecimento do tema.
O sigilo do advogado é tema sagrado entre as prerrogativas dos operadores do direito. Tanto que, mesmo diante da materialidade da tentativa de homicídio de um político que se tornou presidente, o STF resistiu e garantiu a total privacidade dos defensores de Adélio Bispo. Toda nação quer saber quem paga, e o motivo, a defesa jurídica do ex-militante do Psol, que foi considerado inimputável.
Tulio Belchior, o advogado cuja quebra de sigilo foi determinada pela CPI, não figura nem mesmo como investigado da comissão, o que aumenta a estranheza da decisão weberiana. Sem explicar muito, ela disse que o contrato de compra da vacina, alegadamente danoso ao setor público, poderia afetar até mesmo o programa nacional de imunização. Puro exagero. Mas foi além, ao falar da aquisição da “vacina ainda não respaldada por estudos científicos consistentes, em detrimento de imunizante de eficácia já comprovada e com custo substancialmente inferior”.
Rosa murchou de vez. Fala como se houvesse vacina em abundância, em prateleiras de supermercado, e fosse possível escolher, fazendo uma relação de custo benefício. Exatamente por causa da escassez, o governo brasileiro decidiu comprar toda vacina que aparecesse, desde que tivesse aprovação da Anvisa. As vacinas que apareceram, com eficácia comprovada e preço inferior e também superior, já foram todas compradas. E estão sendo entregues, mas ainda precisamos de mais. Coisa que ela demonstrou não entender.
O processo da Covaxin se assemelha em vários pontos ao da Sputnik V. Até no preço. A da Rússia custa $U 12,75, e a da Índia, U$ 15. Tanto a indiana quanto a russa foram aprovadas recentemente pela Anvisa, com restrições. Elas só podem ser aplicadas em 1% da população. Embora só a Covaxin esteja na CPI, houve muita pressão política – atípica – para aprovação da Sputnik, pressão de governadores e até do STF, que encurtou os prazos.
Nessa competição de tautologias, o STF se mostra enfermo. E não há no cenário de curto prazo nem vacina nem tratamento, precoce ou tardio. Sofre de septicemia, infecção generalizada em organismo senil, precisando urgente de oxigenação.
Boa tarde nobre amigo.
Estou sempre atento aos seus excelentes comentários. Parabéns