Os atos antidemocráticos do STF

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A pretexto de salvaguardar a democracia, pois essa é uma de suas funções, o Supremo Tribunal Federal provocou uma ruptura no arcabouço jurídico. Sorrateira e paulatinamente, como se administram sucessivas doses de veneno, foi esgarçando o tecido constitucional a ponto de esclerosá-lo.

A frequência com que brasileiros têm recorrido às cortes internacionais para buscar Justiça dá bem a ideia de tempos sombrios, como dizia o ex-STF Marco Aurélio Mello. Ou o sistema jurídico é disfuncional ou não há plenitude em nossa democracia. Os arroubos autoritários, cada vez mais recorrentes, no Olimpo judiciário, vergastam a democracia.

Os cavaleiros de triste figura, emoldurados por togas esvoaçantes, afrontam a Constituição a pretexto de protegê-la. É como romper o hímen para proteger a virgindade. Como não há meio grávida, assim acontece com a democracia. As falhas da democracia se corrigem com mais democracia. Não o contrário.

Os ministros do STF, Alexandre de Moraes e Roberto Barroso entre os mais afoitos, seguem o princípio do último general no poder, nos estertores do regime militar, quando vociferava a favor da abertura política que se propusera implementar: “Quem for contra, eu prendo e arrebento”. Figueiredo, que preferia o cheiro de cavalo ao do povo, proferiu outra frase em 1987, que hoje parece profética: “Eu fiz essa abertura aí, pensei que fosse dar numa democracia, e deu num troço que não sei bem o que é”.

Eu não sei bem o que esse troço é. Democracia, com certeza, não é. O Senado, a quem cabe por limites ao STF, acovarda-se. Caberia ao povo, em sua soberania, fazer valer seus direitos. Mas os olimpianos seguem impávidos, pois acreditam em mais uma frase de seu guru: “Todo povo é uma besta que se deixa levar pelo cabresto”.

As imprecações de Roberto Jefferson contra membros do Supremo merecem reprimenda e até ação judicial, mas dentro do devido processo legal. A prisão no Brasil, já decidiu os seres supremos, só se dá depois do “trânsito em julgado”. Isto é, quando não seja mais possível manejar qualquer recurso em defesa do condenado.

Outra possibilidade se dá de forma preventiva ou provisória, e precisa ser bem fundamentada. Coisa que não aconteceu na prisão de Roberto Jefferson, autorizada por Alexandre de Moraes, que, mais uma vez, aloprou. Sem ouvir a PGR, dando-lhe exíguo prazo de 24 horas para manifestação. Fora do “prazo”, a PGR se posicionou contrária à detenção do presidente do PTB, afirmando que não passava de censura prévia.

O STF sofre de crise de hipertrofia. Não só atropela o texto constitucional como o clássico conceito de Montesquieu sobre a harmonia dos três poderes, o sistema de freios e contrapesos. Há muito, esse equilíbrio se desfez, tomando a corte para si muitas das funções dos demais poderes. Já usurpou do Legislativo e do Executivo, agora desdenha do Ministério Público.

O deboche à PGR ficou patente no inquérito dos chamados “atos antidemocráticos”, cujo arquivamento solicitado pela PGR não passou de um simulacro. Moraes simulou atender o pedido, matando a investigação, mas ressuscitou o cadáver ainda insepulto. Foi mais rápido que Jesus que demorou três dias para trazer Lázaro de volta à vida.

Foi exatamente neste inquérito, agora com o objetivo de investigar milícias digitais ( o que é mesmo isso?), que capturaram Jefferson. Com uma fundamentação pífia, coisa de rábula. O desempenho de Moraes, cada vez mais despudorado, dá razão ao ex-ministro Marco Aurélio Mello, que o chamou de xerife, durante troca de amabilidades. É cada vez mais policial (fora da lei) e menos jurista.

O presidente Bolsonaro afirmou que entra esta semana no Senado com um pedido de impeachment contra dois ministros do STF, que estariam produzindo atos antidemocráticos: Barroso e Moraes. É só mais uma ação que tende a gerar muito calor e pouca luz.

Não há ato mais antidemocrático do que desobedecer à Constituição, mormente quando provocado por aqueles que têm a missão precípua de defendê-la. Até quando vamos suportar esses desmandos constitucionais, até quando vão zombar e aguilhoar nossa paciência?

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