Auxílio Brasil provoca solavancos no mercado e debandada no governo

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Quinta-feira de turbulência no Planalto. Uma debandada de técnicos no mesmo dia (quatro secretários da Economia e um da Energia), queda acentuada na bolsa de valores e decolagem expressiva do dólar. Tudo por causa da decisão presidencial de favorecer os mais pobres com o Auxílio Brasil, no valor de R$ 400 reais.

A equipe tentou todas as fórmulas de manejo orçamentário para conseguir o dinheiro sem colocar em risco o equilíbrio fiscal, principal objetivo da lei do teto de gastos. Isto é, não gastar mais do que recebe. As reformas administrativa e do Imposto de Renda, que poderiam trazer recursos extras, ainda estão travadas e sem tempo hábil para o socorro financeiro.

Restou a PEC dos Precatórios, pela qual a União é autorizada a postergar pagamentos de dívidas oriundas de demandas judiciais. Sempre adiadas, estavam aprazadas para cair no colo do atual governo. O texto base foi aprovado no Congresso nesta quinta-feira, dando fôlego de mais de R$ 80 bilhões.

Com essa manobra, o refrigério orçamentário será suficiente para cobrir os custos do Auxílio Brasil, cuja primeira parcela se inicia já no próximo novembro, ao custo extra de R$ 30 bilhões. Com isso, vai beneficiar cerca de 3 milhões de famílias a mais (eram 14 milhões), no valor médio de R$ 400 (era de R$ 190). Tudo isso sem agredir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O teto, porém, foi atingido, deixando um buraco para as próximas gestões. O teto de gasto é medida prudente, pois não se deve gastar além do orçamento, sob pena de se afogar em dívida. Serve para o orçamento do país, serve para dento de casa. No entanto, circunstâncias anormais exigem soluções diferentes.

Para um governo que se elegeu sob o manto do Posto Ipiranga, cujo principal combustível era o ajuste fiscal, teria sido quebra de compromisso furar o teto? Hão de se levar em conta a promessa e a premissa. A pandemia, com suas sequelas na economia e na saúde, mudou profundamente toda a premissa.

Sabemos da importância para a manutenção do país no rumo certo. E o teto de gastos é fundamental para o longo prazo. Mas se disse que na longitude desse tempo estaremos todos mortos. Não podemos mirar apenas nas planilhas e nos números, quando inúmeros disputam comidas em carros de lixo.

Bem-vindo o embate entre tecnocratas e políticos. Mesmo com toda má reputação, estes tem o faro social, a sensibilidade que os engravatados dos gabinetes não conseguem avistar de dentro de sua bolha, do apartheid social que os separa da realidade, cuja cara tem o semblante da fome, da desesperança, no vale das sombras e das sobras.

De tanto não lhes querer ver, a sociedade os tornou invisíveis, não como no mundo feérico de Harry Poter, e sua capa da invisibilidade. Para esses, que não foram alcançados nem nas estatísticas dos governos ditos progressistas, há uma urgência irrefreável, pois a fome é a mais devastadora das pandemias.

Paulo Guedes continua (ainda impávido?), mesmo sem seus principais articuladores. Sabe que a gestão da economia será ainda mais desafiadora, mas creio que ninguém lhe disse que seria fácil.

A gritadeira contra o furo no teto não vem apenas do mercado, fluido como o gás de seus investimentos, mas também daqueles que temem o sucesso do novo programa. Auxiliar o pobre é o principal adjutório do governo e do seu candidato. Muitos torcem pelo insucesso do país, melhor forma de alternância do atual poder. E pra isso não em teto.

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