Fraudes e facções, os males da educação de Sobral são
Depois da queda generalizada nos índices de avaliação, o sistema de educação de Sobral enfrenta mais um difícil teste. A disputa territorial das facções está impedindo a ida de estudantes para escolas em bairros cujo comando da criminalidade esteja nas mãos de faccionados rivais. Proibidas de levar os filhos à escola, as mães sofrem mais um revés: a suspensão do Bolsa Família, que depende da frequência escolar.
A revolução pela qual passou a educação sobralense teve início quando o atual prefeito, Ivo Gomes, estava à frente da então Secretaria de Desenvolvimento da Educação. O prefeito era seu irmão Cid Gomes. De lá pra cá, os índices foram ascendentes até a atual gestão, quando começou a decadência. Até 2017, Sobral brilhava no cenário nacional, como o município com a melhor nota do Ideb: 9,1. A partir daí, passou a cair.
Em 2019, Sobral perde o título de melhor educação do Brasil. Já não é nem a melhor do Ceará, nem mesmo da Zona Norte. Sua nota caiu para 8,4, sendo ultrapassado pelo vizinho município de Mucambo, que atingiu média 9,4. Quando Ivo Gomes assumiu a Prefeitura, a rede de ensino tinha no seu plantel 38 escolas agraciadas com o Prêmio Escola Nota 10, do Governo do Estado. Despencou para 22, na edição de 2019.
Além do insucesso nas avaliações externas aplicadas pelos governos federal e estadual, Sobral levou bomba nas provas de admissão no primeiro certame do Colégio Militar do Município. O resultado, até hoje não comentado pelos gestores, foi um verdadeiro vexame. Apenas 20% dos candidatos conseguiram atingir a nota 5, a mínima exigida para a aprovação. Oito em cada 10 alunos tiraram menos de 5 na terra da educação nota 10.
Não se trata de destratar o prestígio de boa educação que a cidade conquistou nacionalmente, a mercê de uma boa estratégia de marketing. Precisamos refletir a causa da fadiga de um sistema que durante muito tempo se mostrou efetivo, mas não mais.
Muitos atribuem a derrocada nos índices a uma série de reportagens dando conta de possíveis fraudes na avaliação. Desde um aluno de melhor desempenho fazer prova por outro até a interferência de professores nas provas. E também a escolha de alunos para ser avaliado, tratando os de pior desempenho como se tivessem transtornos mentais.
Quando as matérias sobre as denúncias se restringiam a autoria do jornalista Wellington Macedo, os gestores desdenharam e o acusaram de fakenews e motivação política. Em retaliação, o jornalista foi vítima de assédio judicial, quando cerca de 60 professores e diretores foram mobilizados para processá-lo. E perderam, condenados a pagar os honorários do advogado do jornalista.
Depois, outros veículos de comunicação também publicaram as denúncias, que fazem parte de inquérito policial. A Folha de S. Paulo enviou um repórter, que passou três dias na cidade, apurando a notícia, ouvindo alunos e ex-alunos que relataram sofrer pressão para fraudar as provas. Isto É, Veja, Carta Capital, Nova Escola, entre outros, também publicaram matérias semelhantes.
Em resposta à Folha, o secretário da Educação, Herbert Lima, disse que o número relatado pela reportagem (14) não seria bastante para alterar o resultado. Até pode ser. Mas talvez por causa dessa divulgação, professores, alunos e seus pais ficaram atentos para não voltar a cometer os erros, o que pode ter reflexo em série e repercutir na queda dos índices.
Talvez a ação mais deletéria tenha sido a politização do assunto. Na campanha presidencial de 2018, Ciro Gomes chegou a prometer “sobralizar o Brasil”. Deitaram-se nos louros da glória e deixaram de fazer o aperfeiçoamento contínuo do sistema. Muitos acadêmicos se debruçaram sobre as práticas educacionais de Sobral, com um leque de teses e dissertações. Uma delas foi da deputada federal Tábata Amaral. Resta agora estudar as causas da derrocada.
Com a recente ação das facções, que impedem o ir e vir de alunos entre bairros comandados por facções rivais, como a que está vitimando as crianças do Residencial Caiçara, há comprometimento do futuro, por não ir à escola, e do presente, pela perda de renda até então garantida pelo Bolsa Família. A quem apelar? Em muitos locais, a ausência do estado faz com que a maior autoridade seja o chefe da facção.
O título do artigo faz referência à célebre frase de Mário de Andrade – “Muita saúva, pouca saúde, os males do Brasil são”, do livro Macunaíma. Depois de tanta discussão inócua, sem que os gestores reconheçam seus erros nem tomem providências, me veio à mente outra frase, também célebre, do herói sem caráter: Ai, que preguiça!