O dia em que meu ônibus foi parado por homens armados
Sobralito descobre que nem todo mundo pode circular livremente pela cidade
Com a mochila cheia de livros nas costas e o celular na mão, Sobralito se despediu de dona Eulália e entrou na topique. O micro-ônibus se deslocou preguiçosamente rumo ao Caiçara, um conglomerado de blocos residenciais localizado na periferia de Sobral. Pouco tempo depois de partir, outras crianças a adultos também entraram no transporte público, que já passava pelo Terrenos Novos, um dos bairros mais populosos da cidade.
Em determinado momento, os passageiros se assustaram com a parada brusca do veículo. Os pneus cantaram no asfalto, deixando um cheiro de borracha queimada no ar. Pela janela, assustados, os passageiros viram quando um bando de homens armados cercou o coletivo. Ao perceber a confusão que se formava, Sobralito deu um salto pra junto da janela e com muito cuidado começou a gravar toda aquela movimentação.
Ainda tremendo, o menino viu, quando um dos homens entrou no coletivo, deu uma olhada geral, com a cara amarrada, seguido de mais outros dois, que ficaram calados, também com armas nas mãos. No ônibus, as pessoas tentavam não encarar as três criaturas de olhar vazio e frias como pedaços de gelo. Se dirigindo ao motorista, mas se fazendo ouvir por todos ali, um dos homens deu o recado.
— Olha aqui, mermão, isso é só um aviso. Nóis num quer ninguém do Caiçara dentro de ônibus nos Terrenos Novos. Fica ligado, mano. Porque depois num tem mais recado não. O negócio vai ser na bala.
Silêncio!
Uma criança começou a chorar, tendo a boca abafada pela mão trêmula de uma mãe nervosa, que suava feito tampa de panela.
Mais silêncio!
Tão rápido como entraram, os três homens deixaram o coletivo e partiram em um carro que os aguardava, ali ao lado. O estresse entre os passageiros foi tanto que, depois de liberados, todos começaram a falar ao mesmo tempo, enquanto uns rezavam e outros desciam para tomar um pouco de ar. Sem perder tempo, Sobralito postou o vídeo num grupo de “zap” de notícias policiais da cidade, enquanto tentava controlar o tremor nas mãos, de dedos finos como gravetos.
O transporte ficou parado no local da abordagem, até que uma viatura da Polícia Militar chegasse. Não demorou, e diversos blogueiros já apontavam suas câmeras para os passageiros em busca de algum depoimento. Muitos fugiam da abordagem, até por medo de serem reconhecidos, quando toda aquela filmagem fosse ao ar.
Pouco tempo depois, os policiais fizeram a escolta do coletivo, já quase vazio, até o seu destino. Ainda tremendo, Sobralito desistiu de estudar na casa do amigo, pegou um mototáxi e voou para casa. Nas redes sociais já circulavam diversos depoimentos, em forma de áudio, de quem estava no ônibus. Outros relatos falavam de um ônibus escolar que passara pela mesma abordagem, e de outro transporte público com o mesmo tipo de ação, deixando todos assustados.
O assunto rendeu a pauta do dia dos programas de TV e das rádios locais. Durante uma participação ao vivo, uma dona de casa reclamava da violência que parecia engolir as pessoas em Sobral. Da sensação de medo e da perda da liberdade de circular pela cidade.
— Não temos emprego, segurança e agora, nem mais o direito de sair.
Lamentava uma ouvinte, antes da chamada dos comerciais.
No dia seguinte, dona Eulália, com o coração na mão, colocou Sobralito num mototáxi rumo à escola. Enquanto a moto se afastava, deixando para trás uma poeira fina, ela rezava baixinho para que aquela ida, também tivesse volta.
Ao passar pelo Bairro Terrenos Novos, Sobralito viu um ônibus escoltado por uma viatura policial, rumo ao Caiçara. É que depois do tal aviso, a escolta policial parecia a melhor medida para garantir a segurança dos passageiros, nesse momento de tensão.
Na sala de aula, quando a professora disse que ia ter redação. Sobralito gritou lá do canto, que o tema poderia ser, “Por que nós não temos segurança na nossa cidade?” A professora fez cara de espanto; mas como todos concordaram, ela iniciou a atividade, com direito à desenho e tudo.