Álbum que consagrou Daniela Mercury em 1992 é dissecado em livro que aponta o branqueamento da axé music

Somente quem viveu no Brasil em 1992 pode dimensionar a explosão nacional de Daniela Mercury a partir do lançamento, em 20 de setembro daquele ano, do segundo álbum da artista baiana, O canto da cidade, gravado com produção musical de Liminha e editado pela gravadora Sony Music.

Quarto título da Coleção Discos da Música Brasileira, organizada pelo jornalista Lauro Lisboa Garcia para o Sesc de São Paulo, o livro O canto da cidade – Da matriz afro-baiana à axé music de Daniela Mercury investiga a criação e o fenômeno cultural e midiático provocado por esse álbum que, há 30 anos, catapultou a cantora e compositora soteropolitana ao estrelato.

Jornalista e produtor cultural baiano também nascido em Salvador (BA), o autor Luciano Matos apresenta consistente trabalho de reportagem que, além de historiar a trajetória da artista e de dissecar o processo de gravação do disco O canto da cidade, expõe as influências e as consequências do sucesso avassalador do álbum, apontando sobretudo o movimento de branqueamento da axé music, rótulo mercadológico dado à festiva música afro-pop-baiana produzida a partir dos anos 1980 na Bahia preta, precisamente em Salvador (BA), originalmente com base e ênfase no som percussivo dos blocos afro.

Reflexo do racismo entranhado na sociedade brasileira, esse movimento tirou o protagonismo das cantoras negras e dos próprios blocos afros – como o Ilê Aiyê, Olodum (matriz do samba-reggae) e Muzenza – cujos repertórios iniciais ajudaram a projetar vozes como a de Margareth Menezes.

Ainda assim, à revelia da cantora, o estouro do álbum O canto da cidade fez as gravadoras correrem atrás de outras cantoras e bandas que, diluindo a matriz negra da axé music, tornaram o gênero mais rentável e palatável para um público branco que consumiu avidamente músicas e discos que investiam nas levadas contagiantes do axé, mas com letras mais triviais, genéricas, escritas sem o compromisso com as questões políticas e sociais negras que norteavam a produção dos repertórios matriciais dos blocos afros.

Daniela reescreveu parte dos versos da segunda estrofe e da ponte – suprimindo palavras e expressões como “tom da pele”, “Pelô” , “Salvador” e “tambor” – para deixar a música com tom menos local. Todas as mudanças foram feitas com o devido consentimento de Tote Gira.

R.O

Fonte- G1

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