Brasil tem mais de 320 mil crianças que foram registradas sem o nome paterno durante a pandemia
Mães acumulam responsabilidades pelo filho, até financeiras, e crianças perdem direito à pensão e convivência com o pai
A pandemia expôs diversos problemas sociais, mas um deles foi agravado: em dois anos, mais de 320 mil crianças foram registradas somente com o nome da mãe na certidão de nascimento, segundo dados dos Cartórios de Registro Civil do Brasil. Além do abalo emocional, sem o convívio com o pai ou ajuda financeira, as crianças, muitas vezes, passam dificuldades.
Em 2020 e 2021, 327.806 recém-nascidos ficaram sem o nome do pai no documento. Os recordes foram verificados nos anos em que menos pessoas nasceram no país desde 2003, com 2.644.562 registros em 2020 e 2.642.261 em 2021. A pandemia adiou os planos dos pais em terem filhos, ainda mais com hospitais lotados e o alto número de mortes pela Covid-19.
Também os reconhecimentos de paternidade caíram mais de 30% quando comparados a 2019. Eram 35.243, passaram para 23.921 em 2020 e, em 2021, atingiram 24.682 ocorrências.
“O índice nos chamou atenção pelo aumento, que foi significante. E na pandemia os cartórios não pararam de funcionar, então descartamos que o responsável não tenha conseguido registrar a criança, mas foi um momento que limitou o trânsito de pessoas para evitar aglomeração e locais onde pudessem contrair o coronavírus”, pontuou Devanir Garcia, vice-presidente da Arpen-Brasil (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais).
A região norte do Brasil concentra o maior número de crianças sem o nome do pai no documento em 2021: foram 24.807 registros de um total de 285.272 nascimentos. A mesma tendência foi identificada no centro-oeste (16.080), sul (18.573) e sudeste (56.947).
De acordo com Ariel de Castro Alves, advogado especialista em Direitos Humanos e membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, pela legislação, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o Estatuto da Primeira Infância, toda criança tem o direito a pertencer a uma família e ser criada por pai e mãe biológicos ou por famílias substitutas, por meio da guarda ou adoção.
“O reconhecimento da paternidade gera direitos decorrentes do estado de filiação, inclusive direito à herança, pagamento de pensão alimentícia e pensão pós-morte para menores ou incapazes. Também tem a questão do direito ao nome familiar, que é um direito adquirido, e gera outros direitos, como dignidade, integridade psíquica e emocional, de pertencimento a uma família”, ressalta.
Para Isabela Del Monde, advogada e consultora da Gema Consultoria em Equidade, toda a responsabilidade recaí sobre a mãe da criança.
“A criança sem o nome do pai não vai ter direito dos cumprimentos financeiros, não vai ter pensão, nenhum custo abarcado pelo pai. Fica um peso gigantesco para a mãe ter que lidar com isso sozinha. O abandono afetivo é muito grave. Passa para a criança uma realidade de que ela não é importante para o sujeito. Há ações judiciais por abandono afetivo, por não fazer parte da vida da criança, não fazer visitas ou arcar com despesas”, detalha.
A advogada explica que há duas opções para o reconhecimento de paternidade: um acordo amigável entre a mãe e o pai da criança ou o contencioso. Mulheres com renda menor que três salários mínimos têm direito ao processo para requerimento de paternidade sem qualquer custo na Defensoria Pública. Outra possibilidade é a justiça gratuita. O advogado terá de solicitar que não sejam pagos os custos do processo.
Na justiça, o homem será obrigado a fazer o exame de DNA e, se comprovada a paternidade, deverá registrar, assumir a guarda e despesas financeiras.
Fonte: ARPENBRASIL