O Covidão de Camilo Santana
O governo Camilo Santana pagou com sobrepreço de 156% as diárias de leito para covid no Hospital Leonardo da Vinci. E nem todos os leitos foram usados para pacientes infectados pelo novo coronavírus. A informação consta da Nota Técnica da CGU (Controladoria Geral da União), citando também o Tribunal de Contas do Estado do Ceará, que apontou várias irregularidades.
Mais uma vez o Ceará registra problemas na aplicação de recursos federais enviados a estados e municípios para o enfrentamento da pandemia. Os casos mais rumorosos são da construção do hospital de campanha do PV, infestado de indícios de corrupção, e da compra de respiradores superfaturados e jamais entregues. Ambos os casos se deram na administração de Roberto Cláudio, na Prefeitura de Fortaleza. Agora, envolve o ex-governador.
A nota da CGU fala literalmente da “contratação de diária de leitos de enfermaria para pacientes com Covid-19, objeto do Contrato nº 06/2020, por valor 156% maior em relação ao valor pactuado para a diária dos leitos de UTI com outras instituições de natureza semelhante”. O Globo deu a matéria na coluna do Lauro Jardim.
Segundo o documento, o contrato totaliza cerca de R$ 82 milhões, sendo em torno R$ 70 milhões de recursos liberados pelo Governo Federal. A diária, em contratos anteriores realizados pela própria Secretaria da Saúde do Estado, era de R$ 650. E quase triplicou no HLV: R$ 1.664,00.
O Hospital Leonardo da Vinci, que veio a ser estatizado por Camilo Santana, é emblemático. O aluguel da instituição, e posterior “compra”, confirma o desacerto da gestão de Roberto Cláudio na construção de um hospital de campanha. Na época, os críticos apontavam outros hospitais, tais como o dos Acidentados, o Batista, o César Cals e o próprio Da Vinci, que poderiam ter sido usados, evitando desperdício de recursos públicos em desnecessária construção.
A gestão fez ouvidos mouco às críticas e erigiu por cima de pau e pedra o hospital do PV. E logo depois, com pouco serviço prestado, e sem esperar pela segunda onda da epidemia, alardeada pela OMS e todos os especialistas da área, Roberto Cláudio pôs abaixo o hospital, deixando exalar de sob os escombros um forte cheiro de corrupção. Construiu de forma apressada e ainda mais apressadamente se desfez da obra. Queima de arquivo?
A CGU e a Polícia Federal estiveram no encalço de servidores da Prefeitura de Fortaleza num caso ainda mais rumoroso e escandaloso: a compra de respiradores superfaturados (quatro vezes mais o preço normal) de uma empresa paulista de fundo de quintal, com pagamento antecipado, o que é inusual no serviço público. Aproveitaram as medidas emergenciais para deixar correr frouxo. Até hoje, os respiradores não chegaram, e nem o dinheiro foi integralmente restituído.
Roberto Cláudio acusou perseguição política dos órgãos de fiscalização federal, com o argumento matreiro de que não foram usados recursos federais na compra suspeita, como se o fato de ser desperdiçado dinheiro dos fortalezenses diminuísse o escândalo. Superou os percalço quando comprovou sua argumentação, momento em que CGU e PF saíram de cena para dar lugar ao Ministério Público Estadual. A quantas anda?
E agora mais um escândalo dentro deste rosário de irregularidades que ficou conhecido como Covidão e se alastrou pelo país de forma tão avassaladora quanto a contaminação do vírus. Para essas falcatruas, a CPI da Covid fechou os olhos, centrando fogo não em quem desviava dinheiro mas em quem garantia os recursos para a saúde do povo.
Governadores e prefeitos eram tratados como heróis. Enquanto protagonizavam o papel de bom moço nas recorrentes lives, a arrotar medidas autoritárias, seus cupinchas faziam o serviço sujo, aumentando as contas bancárias enquanto se esvaía a saúde pública.
Camilo Santana, cujo governo está enroscado nessas irregularidades, tratadas tanto pela CGU quanto pelo TCE Ceará, deixou o governo para se candidatar ao Senado. Usará o mesmo discurso maroto de Roberto Cláudio? Não será possível, pois quase toda a grana para pagar o superfaturamento das diárias foi bancada pelo governo federal. Em breve, a PF também será acionada.
Camilo terá ousadia suficiente para repetir o surrado discurso da perseguição política? Periga cair do cavalo, pois o TCE não é federal, mas composto por vários indicados por seus aliados. Ainda assim, não se escusou de apontar as irregularidades.
Como Camilo, assim como meio mundo político, já se considera eleito numa vitória por WO, terá foro especial durante oito anos, caso venha a responder por seus malfeitos.
ATUALIZAÇÃO
A Secretaria da Saúde do Estado do Ceará negou em nota que tenha praticado sobrepreço. Os argumentos de que não se podem comparar preços de leitos distintos (UTI e enfermaria) já tinham sido apresentados, e não acolhidos, aos órgãos de fiscalização (TCE Ceará e CGU).
A nota da Sesa se restringiu ao pagamento alegadamente superfaturados, mas a nota técnica da CGU cita 19 irregularidades:
1- Disponibilização de leitos em quantidade inferior à capacidade operacional contratada mediante CG nº 06/2020, deixando de ativar leitos contratados diante de demanda existente.
2 – Ausência de estimativa prévia de preços para celebração do Contrato de Gestão nº 06/2020.
3 – Alteração dos indicadores de desempenho constantes do termo de referência sem justificativa técnica.
4 – Existência de termos contratuais divergentes
5 – Indicadores de desempenho com pesos inversamente proporcionais à complexidade da meta e ao grau de dificuldade para sua execução.
6 – Utilização de obrigação contratual como parâmetro de mensuração da parcela financeira devida por meio do indicador “Atendimento de Pacientes
Referenciados”.
7 – Indicador de resultado “Taxa de Ocupação” com metodologia de avaliação favorável ao atingimento das metas previstas.
8 – Indicador de Gestão inviável de ser avaliado e acompanhado pela Contratante.
9 – Metodologia de Avaliação favorável ao alcance das Metas acordadas, proporcionando o pagamento de 100% do valor da parcelas previstas no CG nº
06/2020.
10 – Disponibilização de leitos em quantidade inferior à capacidade operacional contratada mediante CG nº 06/2020, deixando de ativar leitos
contratados diante de demanda existente.
11 – Contratação de diária de leitos de enfermaria para pacientes com Covid-19, objeto do Contrato nº 06/2020, por valor 156% maior em relação ao valor
pactuado para a diária dos leitos de UTI com outras instituições de natureza semelhante
12 – Pagamento indevido com recursos federais no valor de R$ 5.519.721,40, em função de diárias de UTI acima dos valores definidos no SIGTAP para
pacientes com COVID-19.
13 – Descumprimento do cronograma de desembolso dos recursos financeiros objeto do CG nº 06/2020, decorrentes do pagamento das parcelas mensais em
atraso.
14 – Pagamento indevido no valor de R$ 290.296,00, relacionado à última parcela mensal do CG nº 06/2020.
15 – Pagamentos sem prévio atesto do gestor do Contrato.
16 – Deficiência na composição e no funcionamento da Comissão de Avaliação.
17 – Divergências entre as informações apresentadas pelo ISGH e as fornecidas pela Sesa/CE, relacionadas a quantitativo de pacientes atendidos,
referenciados e taxa de ocupação.
18 – Divergência entre as informações oriundas dos sistemas de informações geridos pela Sesa/CE e os dados extraídos da plataforma IntegraSUS,
quanto ao quantitativo de leitos operacionais ativos.
19 – Falha na disponibilização, em transparência ativa, das informações relativas ao Hospital Leonardo Da Vinci.