STF como arma de vingança

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A ministra Carmen Lúcia, em seu voto que ajudou a condenar o deputado Daniel Silveira, citou Ulisses Guimarães para quem é traidor da pátria quem trai a Constituição. Esta quinta-feira (20) foi o dia de trair a tal da Carta Magna.

Como quem extrai um dente, na véspera do feriado de Tiradentes, a até então Suprema Corte, extirpou o artigo 53 da CF: parlamentares são invioláveis por QUAISQUER palavras, votos e opiniões.

Na semana seguinte à Páscoa, a ministra que já disse em voto que o cala-boca já morreu, foi uma dos responsáveis pela ressureição deste autoritarismo entranhado nos escaninhos de todos os poderes. Falou demais o deputado, então vamos enjaulá-lo e emudecê-lo. Mas não foi só ele o condenado, mas também o povo que o elegeu.

A liberdade de expressão, mormente quando se aplica ao representante do povo, não é para garantir palavras doces. Ao contrário, é para garantir, principalmente, as ácidas e até as repugnantes, como as proferidas de forma infeliz pelo parlamentar. No entanto, ele estava coberto com o manto da imunidade constitucional, que foi retirado não só dele mas de todo o parlamento.

A Justiça é uma evolução no processo civilizatório, quando as pessoas deveriam deixar de resolver por si seus conflitos, o que poderia propiciar atos de vingança em loop infinito. A Justiça veio para suplantar a vingança. O STF, num dia triste de sua história, fez o contrário: traiu a Justiça para se entregar às volúpias da vingança.

Um inquérito eivado de barbarismos desde o seu nascimento espúrio, foi um festival de anomalias e tinha em sua capa o símbolo da vendeta. Criado de ofício, sem a participação da PGR, cresceu em monstruosidades: o mesmo ente na qualidade de vítima, acusador e julgador.

Os crimes imputados ao deputado federal são risíveis na interpretação da constelação de togados, com exceção de Nunes Marques, que desmontou o voto condutor, com autoria da principal vítima (Morais): as palavras do parlamentar, por mais abjetas, não passavam de bravata.

Inflados pela vaidade, os doutos senhores da corte, que já foi suprema, não quiseram enxergar o óbvio, obnubilados pela suprema pretensão de serem eles mesmos a própria democracia. “Nós somos a democracia”, já dissera Barroso, que parodia seu xará francês, o imperador do “L’État c’est moi. O ministro iluminista quer ser do mesmo barro de Louis XIV.

As acusações são ridículas, e o estilo farsesco veio à tona com o riso, tanto da procuradora Lindora Araújo, quanto ao ministro, quando aquela vocalizou o epíteto desferido pelo parlamentar: “cabeça de ovo”. Um dos crimes seria a grave ameaça, respaldado pela fala em que o deputado diz querer que o povo pegue o cabeça de ovo pela gola e o enfie na lixeira.

Terá mesmo o ministro se sentido ameaçado? Se fosse mesmo grave a ameaça, porque o presidente do STF não tomou nenhuma medida para resguardar a corte e seus membros? Não pode ser grave a ameaça se ela não tem mínima chance de se concretizar. Não passa de bravata.

Também foi acusado de incitar as Forças Armadas contra um dos poderes. Quem, em sã consciência, acharia que o deputado teria credibilidade para mobilizar as forças. Nem mesmo um cabo e um soldado. O outro crime seria o de coação no curso do processo. Seria contra testemunhas, colaboradores da Justiça, juiz. Quem mesmo foi coagido com os toscos vídeos do deputado?

Qual mesmo a gravidade dos crimes do deputado para tão grave sentença que prevê reclusão de oito anos? A procuradora responde: tentou atentar contra o estado democrático de direito. Opa. Esse crime só passou a existir recentemente, é posterior ao fato. Ele teria sido enquadrado na já revogada Lei de Segurança Nacional: “tentar impedir o funcionamento de um dos poderes”.

Alguma instituição foi abalada ou diminuída ou impedida de funcionar por causa daqueles vídeos? Nenhuma, zero de eficácia nos arroubos retóricos de Silveira.

Ato contra o Estado Democrático de Direito é agir ao arrepio da lei, margeando seu curso legítimo. Não se pode, a pretexto de resguardar a democracia, usar de autoritarismo, agindo fora da lei,. Quando se trafega nesse campo pantanoso, a democracia já foi pro brejo. O terreno fértil para vicejar a democracia é o que aguado com mais democracia.

O tom farsesco também foi dado, mais uma vez, por Barroso. Deixando de lado o fundamento jurídico, ilustrou seu raciocínio com populismo barato. Disse ele que, ao se reunir a família na sala, e os vídeos forem expostos, os brasileiro iria querer a punição. Se a conclusão fosse outra, arremata o causídico: é esse o Brasil que queremos?

Ora, ora. Vamos usar a mesma família, mostrar os vídeos das delações da Lava Jato, das inquirições de Lula, e da liberação do ex-presidente, num embargo de declaração, vendo um culpado solto e um inocente condenado. Cuidado, porque a pergunta poderia ser: é esse o STF que queremos?

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