Sobralito e a máscara voadora

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Porque tudo merece ser livre, até as máscaras.

— Não esqueça a máscara, menino. Ouvi no rádio que votou a obrigação, de novo, no Ceará para se proteger da covid.

Gritou dona Eulália, ao ver Sobralito correndo para o ônibus escolar. E, antes de cobrir parte dos rosto com a máscara que carregava nas mãos, ao descer as escadarias do Alto do Cristo, o menino a deixou escapar, levada por uma lufada de vento que carregou para longe o objeto.

E a tal máscara subiu, subiu, pegou uma corrente de vento e foi muito além do telhado das casas. Rodopiou perto da mão do Cristo Redentor, símbolo do bairro, e partiu ligeira para os lados da estação ferroviária, ali embaixo. Entrou no prédio da antiga estação, recém reformado, e esperado como novo espaço das artes da cidade; por hora, sem muita novidade para os artistas locais.

Mas enfim, a tal máscara saiu por uma janela e já disputava o céu nublado do finalzinho de inverno, com nuvens pesadas que riscavam ligeiras cada espaço aéreo em busca da Serra da Meruoca. Onde, certamente, despejaria mais um riacho sobre roçados verdinhos e varais de roupas desavisados.

E agora? Como entrar no ônibus sem a máscara? Como chegar à escola sem o tal objeto, que ganhara asas igual Redbull? Lentamente, Sobralito foi chegando perto do ônibus e, assim, meio sem graça, disse que perdera o objeto. Lá do alto da escadaria, dona Eulália olhava com ar de preocupação. Descer aquele monte de degraus para entregar uma máscara, sinceramente, não estava nos seus planos, naquele momento, em que a chuva já se preparava para cair.

— Por hoje passa, menino. Entra logo! Mas amanhã, já vai ter que usar.

Disse o motorista, sem máscara, com cara de enfado, ao abrir a porta para Sobralito.

Dentro do ônibus, a criançada utilizava a máscara colada ao queixo; como estilingue, atirando bolinhas de papel, uns nos outros; como tiara, enfeitando os cabelos das meninas; ou muito bem guardada no bolso do uniforme. Algumas, até se espalhavam pelo piso do veículo escolar, amarrotadas.

Da janela do carro, Sobralito, ainda tentou fazer um vídeo com o celular, daquele pequeno ponto azul que deslizava pelo céu; mas em vão. Livre, leve e solta, a máscara, já perdera o objetivo de sua existência, que era proteger o rosto das pessoas contra doenças respiratórias. Agora, ganhara, incrivelmente, contornos de pássaro, com uma liberdade incrível de ir aonde quisesse, ou até onde o vento a levasse. Assim, experimentaria algo novo, sem a costumeira tosse, espirro ou descarte final, em qualquer lixeira ou canto de mato.

Já não era novinha, pelo tempo de uso. E, se era a solidão que a esperava no final, que fosse, então, daquela forma. Voando alto, entre os pássaros daquela manhã nublada de junho. Até porque, as coisas também se cansam de ser o que foram feitas para ser. Inclusive as máscaras.

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