Camilo, servidor de dois senhores

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Engana-se quem acha que Izolda foi a responsável pelo rompimento da aliança entre PT e PDT. Tampouco foi o principal alvo de traição, um hobby político dos Ferreira Gomes. Na condição de traidor e traído, e ainda com a pecha de ingrato, figura Camilo Santana, o rotor da engrenagem a mover a articulação que culminou com a imposição da candidatura de Roberto Cláudio, em detrimento de Cela. A perspectiva de uma nova correlação de força assombrou a oligarquia. Ciro Gomes desceu do Olimpo para assumir a liderança que sempre foi exercida por Cid Gomes, submerso numa hibernação pouco comum ao seu estilo.

Sem Camilo, a candidatura de Izolda seria selada. Com ele, virou cilada. A governadora tem múltiplas virtudes. Além de mulher, sempre esteve à serviço da República de Sobral, por competência e alinhamento. Não há sobre ela nada que desabone no campo administrativo ou moral, ao contrário do outro candidato. E ainda: ficaria no cargo apenas durante quatro anos, favorecendo a acomodação de outros postulantes.

Camilo era queridinho de Cid Gomes que o fez secretário e governador, por duas vezes, do Ceará. Enquanto só, estava sob controle. Ao lado de aliados, seria um perigo. E lhe cortaram as asas, não suportariam Camilo alado, muito menos em voo solo. Na primeira ocasião, sabotaram Eunício, para que Camilo não fosse fortalecido. A história se repete agora. Os Gomes o queriam isolado, ele queria Izolda, a desolada.

Qual Arlequim, servidor de dois senhores, da deliciosa peça de Goldoni, Camilo Santana sempre se equilibrou entre a seita dos Ferreira Gomes e a religião lulista. Uma hora iria entender que não se pode servir a Deus e ao diabo ao mesmo tempo. Vendo Lula cada vez mais espicaçado por Ciro, Camilo se recolhia e contemporizava. Engoliu sapos até não mais poder, na esperança de que a vassalagem lhe fosse proveitosa.

Ciro assestou a mira de longo alcance. Sem decolar no plano nacional e com prestígio declinante na paróquia, tratou de, a ferro e fogo, manter o poder local. Sabe que seu candidato é forte e pode arrebanhar, no segundo turno, as ovelhas que se desgarraram do aprisco no embate inicial. Se fraquejasse, seria a derrocada. Eleito Camilo, e também Izolda, o reduto dos FGs seria restrito a Sobral, onde se daria o crepúsculo dos deuses.

Cid Gomes deve sentir saudade dos tempos de bom moço de Camilo, que virou vilão. Santana chupou a laranja do poder até os bagos e agora sonha que Lula será eleito. Daí o enfrentamento aos antigos padrinhos. Receberá suas 30 moedas no Senado ou em algum ministério relevante. Tinha uma eleição garantida, mas queimou os navios e navegará em mares revoltos. Agora vão pra cima dele e de seus aliados. Com gosto de gás

Izolda Cela teve o mérito de ser a primeira mulher a governar o Ceará. E o demérito de ser o primeiro governador a não ter direito de concorrer à reeleição. De compleição frágil, serena, não seria obstáculo nem inimiga dos FGs que já haviam dado poder ao esposo, Clodoveu de Arruda, ex-prefeito de Sobral. Mas foi altear a voz e ficar no meio do tiroteio. Não era o alvo, foi apenas mais uma vítima de bala perdida, neste tão violento Ceará Pacífico.

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