Era uma cilada, Bino

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Sem muito a ganhar e com risco de perder muito, o presidente Bolsonaro cancelou o compromisso com empresários, previsto para o próximo dia 11. Seria uma exposição de ideias na Fiesp e um jantar com um grupo da elite econômica paulista. A data coincide com a leitura pública de uma carta em defesa do estado democrático de direito. Segundo Bolsonaro, a cartinha é uma peça de campanha publicitária em período eleitoral. Disse ainda que não é signatário, mas seus atos, e não palavras ou documentos, comprovam seu apreço pela democracia. De fato, apesar da retórica bélica e até desrespeitosa, não há um só ato de governo que se possa chamar de antidemocrático.

Havia dois constrangimentos no cenário. Assinatura do manifesto e manifestação. Como a cartinha foi gestada dentro do grupo empresarial lulista, Bolsonaro poderia ser convidado a assinar a missiva, que lhe é claramente hostil. O grupo da elite econômica lulista é encabeçado por Josué Alencar, presidente da Fiesp, filho de quem foi vice-presidente nos dois governos de Lula. A lista segue com nomes que foram beneficiados nos velhos tempos do Petrolão.

A leitura da carta está programada para acontecer na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O palco da USP, no Largo de São Francisco, é simbólico e serve para tirar o caráter empresarial da epístola, pois foi inciativa de empresários e banqueiros. O verniz cultural será dado, não apenas pelo ambiente universitário, mas também pela presença de juristas, políticos, artistas e descolados em geral.

É mais um elemento para consolidar a narrativa de que nossa jovem democracia está sob risco de desmoronamento, precisando de arrimo de salvadores da pátria para fazer frente a quem querem pintar de energúmeno, o presidente Jair Bolsonaro. O Messias seria na verdade o anticristo numa batalha incessante para a derrocada das urnas, que ganharam status de deus. Iconoclasta ou herege, só lhe resta a fogueira da pira acesa na cúpula da Fiesp.

Contra atos indiscutivelmente antidemocráticos, como os exercitados por ministros do STF, que manipulam a Constituição a seu bel-prazer, nenhuma linha. Mesmo a subprocuradora geral da República explicitando a ilicitude dos atos, ninguém se atreve a levantar a voz ou organizar manifestação. Afinal, nada mais antidemocrático do que desobedecer à Lei. Bolsonaro tem agido dentro das quatro linhas, A regra é clara, mas seus adversários não se importam.

Como na lendária série da TV Globo, Carga Pesada, protagonizada por uma dupla de caminhoneiros – Stênio Garcia e Antônio Fagundes – , alguém do entorno do presidente o aconselhou a não comparecer aos dois eventos. “É uma cilada, Bino”. Poderiam instigar manifestações contra o presidente. Os anfitriões, tanto da Fiesp quanto do jantar, insistem no convite. Fofo, né? Responda com Molejo: não era amor, era cilada.

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