A promessa da adutora
Sobralito nem lembrava mais quantas promessas da chegada de água já ouvira na cidade
“E lá vem mais uma; mas dessa vez, com ordem de serviço já liberada para a construção de uma adutora no distrito de Caracará”, dizia Sobralito, sobre a nova promessa de chegada de água, em seu podcast, enquanto andava pela casa com o celular na mão.
O menino, que tinha familiares nessa, e noutras comunidades, que sofriam do mesmo mal de não ter água de qualidade, lembrava que esse tipo de notícia era comum, segundo sua mãe, em período de eleições. “Eles [os políticos], também, adoram segurar essas obras, até que chega o tempo de liberar dinheiro e iniciar o trabalho”, dizia a senhora, enquanto mexia nas panelas, que borbulhavam no fogão.
— Mãe, a senhora lembra do último passeio na casa da tia, lá no Aracatiaçu? A água estava da cor de chocolate.
— Pois é. Mas isso sempre foi assim. Vez ou outra, as pessoas sofrem com essa falta de vergonha. Como pode, a gente ser tratado pior que bicho, por que nem bicho merece beber uma água daquelas.
Conversavam os dois, enquanto dona Eulália passava um pano nos móveis.
Sobralito, também, lembrava do dia em que as famílias do Baracho, na Serra do Jordão, arregaçaram as mangas e resolveram comprar canos para ter água em casa. Uma velha promessa de abastecimento nunca saíra do papel, tornando a situação insustentável.
— Pois é, pessoal. No meu município tem dessas coisas. Se fala muito, na tal universalização do atendimento de água nas casas, mas a gente ainda sofre com todo tipo de problema.
Dizia, o menino, enquanto fazia caras e bocas em frente ao celular.
— Sem falar que, às vezes, até aqui na cidade, a água vem barrenta, também. Tem bairros, onde muita gente fica vigiando a chegada da água pra encher baldes e vasilhas, de madrugada, meu povo. Eu vou, até, por uma caixinha de pergunta: qual problema você enfrenta com água no seu bairro? Barrenta ou ela não chega, mesmo?!
Minutos depois, Sobralito teve que correr para a torneira da pia, recheada de louça para lavar, enquanto dona Eulália reclamava.
— Mas será o Benedito? Já faltou água, de novo, meu Deus? Sei, não viu…