Morte e reencarnação de Ciro

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Ciro Gomes acredita na reencarnação. Aquela pose com a Bíblia na mão dentro da igreja, sabe-se agora, era para engabelar os fiéis. Por mais que se se fale em uma vertente cristã do espiritismo, nem a Igreja Católica nem as denominações evangélicas acreditam que um espírito retorne a outro corpo. Muito menos que possa coabitar, dividindo a morada física, como nos transes mediúnicos. Não sei se Ciro segue a linha kardecista ou de alguma corrente oriental. Durante a ressaca eleitoral, ao ser provocado sobre o segundo turno, disse que só votaria no PT em outra encarnação.

Sob os eflúvios de uma nova era, eis que Ciro Gomes, no dia seguinte, faz uma operação reversa e inédita no espiritismo. Talvez seja o Evangelho segundo Ciro. Em vez de um um espírito reencarnar em novo corpo, foi o mesmo corpo que absorveu outra alma, menos afoita do que aquela que ocupava o pescoção. Segundo a doutrina do carma, a alma reencarnada, para purgar seus erros, e não ficar presa a ressentimentos, volta à vida desprovida das lembranças.

Só assim, para entender a feição transfigurada de Ciro Gomes, ou seu ectoplasma, ao anunciar que segue integralmente a decisão de seu partido em apoiar Lula no segundo turno. Aquele que falou cobras e lagartos do molusco, agora é obrigado a engolir um sapo barbudo, na antológica expressão de Brizola, o caudilho que fundou o PDT, que agora abriga a família Gomes. No destino que o significado do nome carrega, Ciro se alinha à altivez, próprio de senhor, mas o sobrenome, feito de goma, lembra a tapioca, que vira de lado o tempo todo.

Ciro perdeu seu tirocínio em algum descaminho ou na curva de chegada. Não se pode compreender sua inflexível e até agressiva postura em relação ao PT, e ao seu capo, Lula, a ponto de brigar com os irmãos, colocar em risco sua liderança política no Estado e até perder o poder que ainda resta na província. Fez esse reboliço, até sangrar com as facadas que deixou feridas ainda por cicatrizar, como ele mesmo denominou ao se sentir traído por correligionários e irmãos. Usou todo seu pendor retórico e verborrágico para atacar seus algozes, com quem agora se abraça.

Depois da derrota clamorosa no Estado, em que seu candidato ficou em terceiro lugar, vendo Elmano eleito já no primeiro turno, com o fiasco de seu próprio desempenho eleitoral, figurando em terceiro lugar até no varandão da fazenda Caiçara, Ciro estaria entoando seu melancólico canto do cisne? Estaria Ciro se desfazendo dos fiapos de coerência que ele tanto cobra dos outros? Seria Ciro a personificação da esfinge, que perdeu o corpo de leão nas águas do Acaraú? Sua última disputa política, efêmera lembrança do que se prenunciara águia no início da carreira, não passou de um voo de galinha.

O texto em que leu a rendição ao “chefe de quadrilha” não era seu, embora emulasse seu estilo. Parecia estar psicografando uma entidade do além. Este Ciro que agora vemos é só um vislumbre do que ele foi, apenas fantasma de quem foi tão vívido. E nem pode dizer que combateu o bom combate. Sua credibilidade se esfumaçou, sua palavra virou pó, se esfarinhou,

Saia da raia, triste fim de carreira.

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