O Bullying que corrói vidas

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Sobralito encara uma triste realidade na escola.

O dia estava ensolarado, como todos os outros, final, o inverno já tinha ido embora fazia tempo. No céu, nem uma nuvenzinha para fazer sombra. Voltar do recreio, era como acabar de sair de uma sauna, tamanha a suadeira da criançada.

No canto da quadra, como sempre, Ricardo lanchava sozinho, tendo um prato de macarronada com suco como companhia. De longe ouvia alguns meninos o insultando. mexendo com seu humor, testando sua resiliência. Algo que, dia após dia, o menino tinha que enfrentar, mesmo depois de tantas advertências da direção, da coordenação e da secretaria sobre o bullying sofrido por ele, proibido de ser mencionado ali. Exausto, até inventar doença, o menino inventou, para não ter que ir à aula.

Mas, inevitavelmente, lá estava ele em mais uma batalha contra um grupo que, nem era tão grande assim, mas que parecia gigantesco ao tocar o terror em todo lugar que Ricardo estivesse; fosse na sala de aula, no banheiro, na quadra de esportes, no corredor, enfim, em todo canto.

Bem acima do peso e ostentando um corpo que dava a ele uma aparência mais adulta, o uso de grandes óculos de grau pesado completava o pacote que alimentava as ofensas e deboches de meninos bem menores que ele. Os apelidos empregados a ele eram dos mais criativos que a maldade juvenil poderia conceber.

De rolha de poço, a baleia jubarte, passando por ceguinho, monstro e balança, o tratamento a ele destinado era de dar dó. Geralmente, o menino não revidava; até porque, sabia que, no braço, não perderia para nenhum daqueles da turma. DE temia perder o controle.

Ao ouvir alguns gritos do outro lado da quadra direcionados a ele, Ricardo se encolhia como se estivesse numa concha, como se pudesse se esconder, até sumir dali. Mas como nenhuma lei da física ou milagre ocorreria, quieto, o menino permaneceu, até terminar seu lanche.

Sobralito, que havia perdido no jogo há pouco, e buscava novos amigos para montar outro time, viu toda a cena e, quebrando todas as regras, até então, impostas veladamente pelos meninos mais intimidadores da escola, se aproximou de Ricardo e o convidou a jogar em seu time. Nunca os dois tinha trocado muitas palavras, a não ser coisas básicas, entre uma tarefa e outra. Mas naquele dia foi diferente.

Sobralito, que já havia tentado proteger o menino em outras situações, se viu obrigado a dar um passo importante naquele momento de ânimos acirrados. Queria intervir de alguma forma. Mas não demorou e, para surpresa de todos, Ricardo correu, ergueu um dos meninos nos braços e o jogou no chão da quadra. Gritaria, correria e agitação. Em segundos a matilha de meninos enfurecidos o cercou, mas ninguém se atreveu a atacá-lo fisicamente, se mantendo nas agressões verbais.

Antes de alguém da coordenação chegar, ou algum professor intervir, Sobralito correu e pegou no braço de Ricardo, contendo com dificuldade o murro que ele preparava, já de punhos cerrados como aço. E ainda tremendo, Ricardo olhou bem no fundo dos olhos do amigo e, aos poucos foi amolecendo o braço, relaxando o corpo e suavizando a expressão dura, de quem era só instinto, reação.

Enquanto o menino caído, se erguia, aos poucos, com ajuda dos amigos, sendo afastado dali. Sobralito e Ricardo sabiam, sem dar uma só palavra, que estavam marcados. Que outros embates viriam, e que o menino, até admirado pelo seu podcast de denúncias e reclamações dos muitos problemas sociais e estruturais de sua cidade, perderia alguns amigos, alguém que não aprovou muito sua atitude.

Em um determinado momento, a sineta tocou, convenientemente, determinando o final daquele round, enquanto todos correram para suas salas. Sobralito e Ricardo se recuperavam daquele momento de violência juvenil, e já caminhavam de volta às suas atividades, quando dona Rita, a secretária, surgiu com uma cara de poucos amigos chamando os dois para uma conversa.

O resultado da confusão foi três dias de suspensão e o chamado dos pais dos dois para uma reunião. Sem perder tempo, na pauta do podcast que seria gravado naquele dia, Sobralito pesquisou sobre o tema bullying e convidou o agora inseparável amigo, Ricardo, para uma entrevista. Os três dias de suspensão seriam de atividades para ambos e o planejamento de uma movimentação na escola contra o bullying.

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