Dia de Finados com emoção e confusão no cemitério
Sobralito registrou um momento inusitado para o seu podcast, durante o feriado.
Na madrugada do Dia dos Finados, Sobralito e dona Eulália, já estavam a postos na entrada do cemitério São Francisco, conhecido como cemitério dos pobres, aguardando a chegada dos primeiros visitantes. Aos poucos, homens e mulheres com semblante entristecido se aglomeravam no portão à espera da abertura. Queriam rezar por seus mortos e voltar para casa.
À medida que o dia clareava, mais pessoas se postavam diante do cemitério. Por volta das 8 horas, o fluxo aumentou, assim como a venda de artigos religiosos, velas, faixas, coroas de flores, enfim, tudo que pudesse ser comercializado. Por todo lugar, se espalhavam grupos de vendedores de ocasião, oferecendo quinquilharias diversas que serviam como extensão da dor e saudade de quem estava ali para prestar alguma homenagem, ou apenas se postar silenciosa à frente de algum túmulo.
Sem perder tempo, Sobralito a tudo filmava, tentando ser o menos invasivo possível, mas colhendo depoimentos legítimos de quem revezava momentos de oração e choro. Toda a cena era comovente, em todos os cantos do cemitério.
Sobralito, mesmo, já tinha visitado o túmulo dos avós, e agora registrava cenas comoventes para o seu podcast. O dia, também, era de tentar conseguir algum dinheiro com a venda de coroas de flores. Dona Eulália trabalhara duro, no mês anterior para driblar as contas e tirar algum lucro. Todos os anos era a mesma coisa. Era cola quente para cá, papel crepom, de cores variadas, para acolá, areia prateada, tintas, enfim, tudo para a confecção das coroas.
Além de Sobralito, dona Eulália contava com a ajuda infalível de algumas vizinhas, que se revezavam na atividade. A iniciativa gerava uma boa renda a todas, que também se dividiam na venda de água e terços.
No meio do ruge, ruge, e do calor que já começava a incomodar, Sobralito ouviu uns gritos. Uma confusão que se formava próximo a algumas lápides. Gritos de reclamação de uma senhora chorosa, que acabara de presenciar algo inacreditável. A dona de casa chamara um policial para dizer que comprara uma coroa de flores e deixara no túmulo da mãe. Pouco tempo depois, o vendedor pegara de volta o artigo e reiniciava sua venda.
Aquilo mexeu com os sentimentos da mulher, que se sentiu enganada. Ela, e seus pais mortos.
Como Sobralito nunca perdia tempo, aproveitou o momento para apontar seu celular para a cena inusitada e filmava tudo. Enquanto o vendedor, todo esbaforido, tentava se desculpar e se desvencilhar daquela situação constrangedora, se justificando ao policial, que houvera um erro em toda aquela situação, a dona de casa ainda se exaltava.
– Pois é, vergonha não serviu a todos, não. Fico imaginando, quantas vezes o senhor fez isso hoje.
Esbravejou a mulher.
Depois de muita conversa e, acalmados os ânimos, o homem devolveu a coroa, oferecendo outra, e uma dúzia de velas como compensação pela situação. Aliviado, o policial foi-se afastando, já de olho em outra aglomeração.
A mulher, ainda abalada, voltou ao túmulo dos pais, e ali ficou, por um bom tempo, olhando de longe o vendedor se desdobrando para comercializar o que ainda restava de artigos, enquanto Sobralito finalizava seu podcast, dando um zoom pelo espaço, e registrando outra confusão que já chamava a atenção do policial.
Do lado de fora, dona Eulália ainda gritava esbaforida: olha a coroa! Tem de R$ 25, de plástico, e R$ 15, de papel!