Revisão do FGTS será julgada pelo STF nesta quinta-feira
Ação pede a mudança do índice utilizado para correção do dinheiro depositado nas contas do fundo, que fica abaixo da inflação.
O STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar nesta quinta-feira (20) a revisão do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que poderá mudar a correção dos valores e beneficiar os trabalhadores com carteira assinada.
A ação, aberta pelo partido Solidariedade em 2014, questiona a correção do dinheiro depositado nas contas do fundo. O FGTS, atualmente, é corrigido em 3% ao ano mais a TR (Taxa Referencial), que rende próximo de zero. Desde 1999, apenas em 2017 a inflação não superou essa taxa, ficando em 2,95%.
Como a taxa é menor que a inflação, a ação pede a substituição pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ou pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), além da correção dos saldos desde 1999. O argumento é que a perda em relação à inflação teria sido de 48,3% até 2013.
O Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador estima que a perda total do FGTS chegue a R$ 720 bilhões, no período de 1999 a março de 2023, prejudicando mais de 60 milhões de trabalhadores. Segundo a Caixa, há 117 milhões de contas do FGTS entre ativas e inativas.
A AGU (Advocacia-Geral da União), em manifestação ao STF, apresentou uma estimativa de impacto aos cofres públicos de R$ 661 bilhões. O órgão afirma que o FGTS, que tem cerca de R$ 118 bilhões disponíveis em caixa, pode deixar de operar caso a ação seja aceita pelo Supremo.
Desde 2019, o andamento de todos os processos está suspenso por decisão do relator da ação, o ministro Luís Roberto Barroso. Em 2018, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) havia determinado unificar o entendimento e manter a TR como índice de correção do FGTS, em decisão desfavorável aos trabalhadores.
Mais de 200 mil ações judiciais continuam suspensas, aguardando uma definição do Supremo.
Expectativa
Esta é a quarta vez que a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) sobre o assunto entra na pauta de julgamentos do plenário do Supremo. As outras foram em 2019, 2020 e 2021. Em todas as ocasiões, houve uma corrida para a abertura de ações individuais e coletivas, na expectativa de uma possível decisão favorável aos trabalhadores.
A expectativa é que o Supremo decida que a aplicação da TR para a correção do saldo do FGTS seja inconstitucional, estabelecendo algum outro índice inflacionário como taxa de correção.
“A chance de êxito é considerável, uma vez que o mesmo STF já declarou a TR inconstitucional, substituindo-a pelo IPCA, em dois outros julgamentos importantes: no caso de débitos trabalhistas e no caso de condenações contra a Fazenda Pública”, avalia Victor Gadelha, especialista em direito tributário.
“É sem dúvida o julgamento mais importante dos últimos anos para os trabalhadores, tendo em vista a imensa quantidade de pessoas que poderão ser impactadas se entrarem com a ação”, acrescenta o advogado, fundador da Easy Legal.
Em 2020, o Supremo considerou inconstitucional aplicar a TR para correção monetária de débitos trabalhistas. A Corte entendeu que a forma de cálculo da TR, que é definida pelo Banco Central, leva em consideração uma lógica de juros remuneratórios, não tendo como foco a preservação do poder de compra, que é objetivo central da correção monetária.
Quem tem direito?
Em tese, se o Supremo decidir pela aplicação de algum índice inflacionário, todos os cidadãos que tiveram carteira assinada de 1999 para cá teriam direito à revisão do saldo do FGTS. No entanto, pode haver alguma modulação para amenizar o impacto sobre os cofres da União.
“Para aproveitar a maior parte do crédito decorrente de eventual êxito dos trabalhadores, é preciso, em primeiro lugar, entrar com a ação antes do julgamento. Isto porque, em casos de grande impacto econômico como esse, o STF costuma modular os efeitos da decisão, ou seja, ele restringe seu alcance apenas para fatos geradores ocorridos a partir do julgamento de mérito”, afirma Gadelha.
Ocorre que, em casos de modulação, o STF costuma preservar as pessoas que ingressaram com a ação antes, com o direito de recuperar os valores do passado (que, no caso dessa ação, podem vir a ser apurados desde 1999).
Ou seja, o trabalhador precisa entrar com ação na Justiça para ter direito. “Caso contrário, ele provavelmente não vai receber os valores do passado, e, mesmo em relação às correções futuras, ele só as terá aplicadas espontaneamente pela Caixa Econômica Federal depois do trânsito em julgado da ADI 5090, o que deve levar ainda mais um ano para ocorrer”, explica Gadelha.
A Defensoria Pública da União (DPU) entrou como interessada na ação, devido ao grande volume de trabalhadores de baixa renda que procuram atendimento em busca da revisão do FGTS. A DPU chegou a soltar nota pública que orienta os interessados a aguardar a análise pelo Supremo antes de acionar o Judiciário.
A DPU informou que, desde 2014, move uma ação civil pública sobre o assunto na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, e que esse processo já teve o âmbito nacional reconhecido. Em caso de desfecho favorável no Supremo e na JF, “deve ser publicado um edital a fim de comunicar os interessados para que proponham ações individuais com o objetivo de executar a decisão favorável”, disse a Defensoria Pública na nota.
Lucro do FGTS
Sem mudar o índice de correção anual, o governo passou a repartir o lucro do FGTS com os trabalhadores nos últimos anos, aumentando assim o rendimento das contas. Em julho do ano passado, o Conselho Curador do Fundo aprovou a distribuição de R$ 13,2 bilhões, equivalentes a 99% do lucro de 2021. Com isso, o rendimento para os trabalhadores passou para 5,83% ao ano em 2022.
O FGTS foi criado em 1966 como uma espécie de poupança do trabalhador com carteira assinada. Antes facultativa, a adesão ao fundo se tornou obrigatória a partir da Constituição de 1988.
Pelas regras atuais, todos os empregadores são obrigados a depositar 8% do salário de seus funcionários no fundo. Isso se aplica aos empregados urbanos, rurais e, desde 2015, também aos domésticos.
O dinheiro permanece sendo do trabalhador e fica vinculado a uma conta, gerida pela Caixa Econômica Federal, e somente pode ser sacado em condições previstas em lei — uma das principais delas, a demissão sem justa causa. Hoje o fundo serve para financiar várias políticas públicas, em especial o Sistema Financeiro Habitacional.
R7