Entenda por que o Vision Pro é o lançamento mais arriscado da história recente da Apple
Dispositivo caríssimo ainda não tem utilidade clara, e tentará desbravar mercado onde concorrentes ainda não alcançaram sucesso.
O anúncio do Vision Pro, os óculos de realidade aumentada da Apple, foi tecnicamente impressionante, mas deixou muita gente cheia de dúvidas. A maior delas é bem simples: o que fazer com este dispositivo de US$ 3.499, o preço no Brasil deve passar dos R$ 35 mil, se levarmos em conta a conversão da empresa.
Aliás, o que ele faz que um iPad, iPhone ou MacBook (e outros produtos de outras marcas) já não façam? A resposta é mais complicada do que parece e revela o fato de que o produto é a aposta mais arriscada da história recente da Apple, uma empresa consagrada por consolidar nichos de mercado e ganhar bilhões.
O mercado financeiro mostrou dúvidas parecidas. Antes da WWDC, as ações da empresa eram cotadas em forte alta, e chegaram ao valor de US$ 184,36, mas caíram após a apresentação, e fecharam valendo US$ 179,58.
Acionistas e investidores provavelmente esperavam um produto que venda milhões bem rápido, um novo iPhone, mas acabaram por ver um dispositivo de nicho, um primeiro passo em uma fronteira completamente nova de gadgets.
O Vision Pro, primeiro novo produto da Apple desde o lançamento do Apple Watch, há quase uma década é um headset de realidade aumentada, o que quer dizer que usa câmeras, telas e sensores para misturar o que vemos com nossos olhos e interfaces virtuais. Menus de aplicativos podem aparecer em cima da mesa, janelas de videochamada em cima de belas paisagens e tabelas (por que não?) ao lado da porta do seu quarto.
Assim como modelos de óculos de realidade virtual, o Vision Pro bloqueia totalmente sua visão, mas mostra a “realidade” com câmeras. Como estima-se que as atuais telas 4K projetam mais pixels e cores do que nossos olhos podem detectar, é justo dizer que a realidade aumentada é mais real do que realidade, embora tenham uma latência de 12 milissegundos e dependa de processamento para os detalhes, o que nem sempre ocorre como deveria.
Então, o Vision Pro não é um dispositivo como o falecido Google Glass, mas algo mais similar a um headset moderno de realidade virtual.
A apresentação da empresa focou em um ambiente de produtividade. Pessoas em casa ou no escritório interagem com aplicativos, escrevem emails, assistem filmes e fazem videochamadas.
É basicamente o que smartphones e tablets fazem, mas com um custo bem maior, dá para comprar um iPad, um iPhone e um MacBook Pro próximos do topo de linha com o preço do Vision.
Por isso, Tim Cook ressaltou tanto na apresentação que o produto é inauguração da “computação espacial”, numa inovação mais estética do que funcional, uma nova forma de interagir com o ambiente digital.
Esse tipo de risco é algo inédito na história recente da empresa, desde o lançamento do iPhone, quando começou a trajetória até se tornar a maior empresa do mundo em valor de mercado.
A aposta de analistas é que o produto será usado para popularizar essa forma de experiência imersiva, enquanto concorre com a Meta, que também aposta em dispositivos de realidade aumentada (ou mista). Mesmo se fizer perfeitamente tudo que promete, o Vision Pro talvez ainda enfrente muitos problemas para se provar.
A Apple é vista como especialista em design e consolidação de mercado. Não inventou praticamente nada do zero, mas aperfeiçoou a ponto de transformar completamente certos setores de mercado. Foi assim com smartphones, tablets, fones de ouvido e relógios inteligentes.
A realidade aumentada mal existe e ninguém sabe sequer se um dia vai ser popular. O mais próximo dela é a realidade virtual, que existe basicamente para rodar jogos, e mesmo em um mercado multibilionário ainda é faz parte de um nicho dentro de outro.
Se pensarmos que essa é a primeira versão do produto, e a Apple costuma atualizar seus dispositivos principais anualmente, não é tão difícil imaginar que a tal computação espacial seja razoavelmente popular em cinco ou seis anos.
Mas o sucesso inicial depende de certos detalhes cruciais de design, que só serão respondidos quando pessoas suficientes usarem o aparelho: ele é pesado demais? Esquenta mais do que deveria? Dá tontura com o uso?
Uma das barreiras é justamente convencer o público a andar por aí com um gadget no rosto, com outras pessoas ao redor. Não parecer pateta é importante aqui.
Phillip Shoemaker, ex-executivo da Apple responsável pela App Store, foi mais direto em um tuíte, em janeiro: “Ninguém fica bem usando um headset. Todos nós parecemos grandes nerds.”
Foi exatamente o contrário do que aconteceu com Mark Zuckerberg, chefão da Meta, que apostou as fichas num futuro dominado por um ambiente de realidade virtual chamado Metaverso, que jamais saiu realmente dos sonhos corporativos dele.
Mas, no processo, Mark evitou o “controle de memes” e foi visto diversas vezes com headsets Oculus, de propriedade da empresa. Não é por acaso que o bilionário é ridicularizado até hoje por imagens do tipo, ou o rosto dele no ambiente Horizons, uma versão do Metaverso da Meta.
Se a Apple vencer todas essas barreiras, e consolidar a forma como um headset de realidade aumentada deve funcionar, entrará novamente para a história.
Fonte: Reuters