Cidade do sertão cearense concentra relatos de contatos extraterrestres
“EU VI”. Em letras maiúsculas, estas duas palavras encerraram, no dia 14 de maio de 1960, a coluna da escritora cearense Rachel de Queiroz na revista Cruzeiro. A autora se referia a uma luz alaranjada que havia visto no dia anterior na companhia da irmã, do marido e dos trabalhadores da fazenda Não Me Deixes, em um distrito de Quixadá.
A escritora se considerava uma pessoa cética. E tinha o hábito de olhar para o céu. Um dos seus romances foi “As Três Marias” (1939), com uma história em que três amigas se inspiravam nas estrelas que formam o Cinturão de Órion.
Em 1960, ela chamou o que viu de objeto voador não identificado. Cercada por um “halo luminoso e nevoento”, a luz variava de intensidade, de velocidade e de aparência, sempre se deslocando no sentido horizontal. E sumiu depois de mais de dez minutos naquele início de noite.
“Pelo menos umas vinte pessoas estavam conosco, no terreiro da fazenda, e todas viram o que nós vimos. Trabalhadores que chegaram para o serviço, hoje pela manhã, e que moram a alguns quilômetros de distância, nos vêm contar a mesma coisa”, escreveu Rachel de Queiroz.
Uma destas pessoas era o Paulo, que era morador da fazenda e tinha por volta de 20 anos. Antes de morrer, ele contou a história para Weliston Paiva, coronel da reserva da Polícia Militar, piloto de helicóptero e estudioso da ufologia no Ceará.
Segundo Weliston, o relato de Rachel de Queiroz e o “caso Barroso” foram os primeiros a trazer destaque a Quixadá, no sertão central do Ceará.
Também serviram de inspiração para o roteiro do filme “Área Q”, de 2012. As filmagens deveriam ter sido feitas no Arizona, nos Estados Unidos. Produzido pelo cearense Halder Gomes, o longa foi trazido para Quixadá e teve histórias baseadas nos relatos da região.
Como conta Weliston, o episódio de Francisco Barroso aconteceu em 3 de abril de 1973. O agricultor de 45 anos se deslocava na estrada da fazenda durante a madrugada quando foi atingido por um forte raio de uma nave alienígena.
Ele foi encontrado desacordado por um vaqueiro, que o levou de volta à fazenda. Após o contato, Barroso teve regressão mental.
“Ele veio a falecer como uma criança de um ano e seis meses. Com uma pele muito jovem, a pele dele não envelhecia. Ele comia, as pessoas botavam a comida na boca dele. Ele tinha muito medo também de pessoas com flash (de câmera). E veio gente do mundo todo, da Alemanha, do Japão, dos Estados Unidos. Tudo para acompanhar o caso dele”, recorda Weliston.
Desde a década de 1950, são inúmeros os relatos de avistamentos, abduções e outros contatos extraterrestres em Quixadá. Embora intrigantes, a resposta para alguns dos casos está na “epidemia dos discos voadores” em todo o mundo e no contexto político da Guerra Fria.
‘Alguma coisa tem sido vista’
Uma personalidade que se preocupou com os frequentes relatos sobre discos voadores foi o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung. O fundador da psicologia analítica publicou o livro “Um mito moderno sobre coisas vistas no céu”, em 1958.
Jung não estava focado em refutar ou confirmar a existência dos óvnis. Ou em desdenhar de quem acreditava. Ele se voltava para o aspecto psíquico. “Alguma coisa tem sido vista”, afirmou em entrevista à revista norte-americana Time em 1954.
O estudioso buscava ancorar na situação política da época os temores que levavam às percepções de um fenômeno sobrenatural relatado por várias pessoas.
Quem estudou este contexto e recorda a aproximação de Jung com o tema é o historiador Tácito Rolim, professor de História da Universidade Estadual do Ceará (Uece) no campus de Quixadá. Na pesquisa de mestrado em História Social, ele analisou notícias que circulavam no Ceará entre 1956 e 1959.
O pesquisador tinha um objetivo específico: investigar relatos sobre a suposta explosão de uma bomba atômica no Nordeste, descrita de forma muito breve em livro do historiador pernambucano Leôncio Basbaum.
Nesse caminho, encontrou nos jornais 48 relatos de acontecimentos estranhos e que causaram medo na população cearense: aparições de objetos luminosos, clarões, estrondos e tremores de terra.
“Em todo o estado do Ceará, você tinha esses episódios, principalmente de objetos luminosos. O importante é que estes foram fenômenos que aconteceram aqui no Ceará, mas que aconteceram também no mundo todo no final dos anos 50. Isso era um fenômeno mundial”, destaca Tácito Rolim.
Na pesquisa, Tácito mostra que o período foi a “Era dos Discos Voadores”. E traz dados do relatório do projeto Blue Book, da Força Aérea dos Estados Unidos, que compilou os relatos de pessoas que avistaram óvnis e também objetos voadores identificados entre 1947 e 1969.
Fonte- G1