Regulamentação dos mercados digitais no Brasil precisa ser feita com cautela

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Participantes de audiência pública citaram modelos adotados em países europeus, mas defenderam modelo próprio

A regulamentação dos mercados digitais no Brasil precisa ser feita com cautela e sem amarras que impeçam o desenvolvimento de empresas de tecnologia nacionais. A opinião foi unânime na audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Econômico, que discutiu, com a participação virtual de especialistas estrangeiros, as experiências internacionais na regulamentação dos mercados digitais. Esse tema é tratado em projeto de lei (PL 2768/22) em análise na Câmara dos Deputados.Myke Sena / Câmara dos Deputados

Ao regulamentar os mercados digitais, o projeto, do deputado João Maia (PL-RN), visa proteger a concorrência empresarial e os consumidores para que não se tornem reféns de empresas que dominam setores da prestação de serviços, as chamadas big techs – grandes empresas de tecnologia, como Google, Meta, Amazon e Apple, que valem juntas mais do que as 100 maiores empresas do mercado de ações dos Estados Unidos.

Na Europa, foi aprovado em 2022 o DMA, Digital Markets Act, direcionado aos controladores de acesso no universo digital. O projeto em tramitação na Câmara tem intenção de introduzir uma regulação na linha da Comissão Europeia, mas de forma menos detalhada.

Já o advogado especialista em mercados e serviços digitais do escritório de advocacia White & Case Assimakis Komminos discorda de que se use como modelo a regulação da União Europeia, em vigor há nove meses.

“Cada país tem seus próprios interesses nacionais, que devem ser protegidos claramente. Porque a União Europeia introduziu essa legislação numa área específica não significa que todos os países devem fazer a mesma coisa. A União Europeia é muito intervencionista e aprova uma quantidade muito grande de regras e leis para todas as áreas, e nem todos os países devem fazer a mesma coisa. Mas isso depende de como cada país vai defender seus interesses nacionais”, disse o advogado.

Komminos opinou que o Brasil deve adotar um modelo mais flexível, como o da Alemanha. Para ele, o País deve identificar interesses públicos nacionais que justificam as regras, que, apesar de serem próprias, não podem ser muito diferentes das regras adotadas no resto do mundo.

Suavizar o controle
Uma regulação focada na suavização do controle de acesso essencial das plataformas digitais foi defendida pelo professor de direito da concorrência da Universidade de Direito Tilburg, dos Países Baixos, Giorgio Monti. Ele destacou que a regulação, diferentemente do que muitos imaginam, não trata de combate às notícias falsas que os meios digitais possibilitam.

“Nós temos que pensar cuidadosamente sobre o nosso objetivo. Se fake news é a preocupação de certas plataformas no processo democrático, no processo político, então temos que olhar outros instrumentos. Se estivermos preocupados com o dinamismo do mercado, com a dependência econômica, então precisamos focar em instrumentos como a Lei de Mercado Digital na Europa e equivalentes na Alemanha e outras partes do mundo”, apontou.

Autorregulação
Giorgio Monti lembrou que, na Europa, a visão que norteou a regulação foi a de que a legislação de concorrência não era o suficiente para controlar o alcance irrestrito das big techs nos mercados que não podiam operar eficientemente. Ele acredita que as condições do Brasil são diferentes da União Europeia e mais próximas da flexibilidade adotada pela Alemanha e do Reino Unido. Ele acredita que, se na Europa a autorregulação não seria a melhor saída, em outros países pode ser assim.

É também a opinião de Krisztian Katona, vice-presidente de concorrência global e política regulatória da Computer and Communications Industry Association (CCIA), uma associação da indústria de tecnologia da informação. Ele afirma que os reguladores estão sob pressão para desenvolverem programas digitais nacionais, e é muito importante não depender de exemplos internacionais e elaborar politicas locais mais adequadas.

Krisztian Katona lembrou que a regulação no Brasil será sentida no bolso. “Se você pensar no impacto sobre os consumidores, se a conformidade com a proposta brasileira vai aumentar os custos variados ou fixos, é muito importante destacar que os serviços vão aumentar os custos para os usuários e os das empresas também podem aumentar – e, se elas tiverem esse aumento dos custos, vão repassar para os consumidores. Então eu acredito que o impacto dessa regulação de fato pode aumentar o preço para os consumidores.”

Aprendizado
O pedido para realização da audiência foi da deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), que acredita que a audiência pública com esses convidados é um movimento de vanguarda no Parlamento brasileiro para que lições internacionais sejam usadas com sabedoria na construção da legislação brasileira.

“Nós estamos aqui tendo uma grande oportunidade de enriquecer o debate, aprendendo com o que já foi construído em outros países, e a experiência que têm, considerando o fato de que os mercados digitais têm se expandido de forma exponencial nas últimas décadas com serviços de tecnologia e informação se tornando cada vez mais presentes na vida cotidiana das pessoas e empresas”, considerou.

A comissão ainda vai debater a competência de regulação, a competitividade, a concorrência e o empreendedorismo nos mercados digitais.

Reportagem – Luiz Cláudio Canuto
Edição – Ana Chalub

Fonte: Agência Câmara de Notícias

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