Estudo diz que relação com crédito bancário varia conforme classe social

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Dados reforçam importância de inclusão de vulneráveis ao sistema.

Um estudo realizado pelo banco digital will Bank revela como pessoas de classes sociais diferentes se relacionam com os empréstimos bancários. O levantamento traz ainda recortes por gênero e etnia. Segundo os resultados, apenas 9,1% das mulheres pretas e pardas da classe DE já solicitaram empréstimos a um banco. O percentual sobe para 24,1% entre homens brancos da classe AB1.

Segundo Leandro Thot, gerente de Marketing do will Bank, os dados sugerem questões ligadas a acesso e pertencimento. “Muita gente não tem acesso a esses serviços. Mas, mesmo que tenha, não consegue ter fluência, não consegue se sentir parte. Isso porque a maioria dos serviços e o modelo vigente foram desenvolvidos para quem está no topo”, avalia. De acordo com ele, os resultados do estudo reforçam a importância de incluir os mais vulneráveis no sistema financeiro e oferecer produtos e serviços que rompam com o padrão vigente e que sejam adequados a este público.

Intitulado Dismorfia Financeira do Brasil, o estudo foi realizado com base em mais de 2 mil entrevistas com homens e mulheres, entre 18 e 40 anos, de diferentes grupos étnicos, classes sociais e de todas as regiões do país. Com base na renda mensal familiar, as classes sociais foram divididas em cinco categorias: AB1 (acima de R$ 10.361,48), B2 (acima de R$ 5.755,23), C1 (acima de R$ 3.276,76), C2 (acima de R$ 1.965,87) e DE (até R$ 900,60).

De acordo com o estudo, homens brancos da classe AB1 utilizam, em média, 5,8 produtos financeiros. Já entre as mulheres pretas e pardas da classe DE fazem uso de 1,8 produtos em média. “As pessoas das classes mais privilegiadas têm mais fluência, mais pertencimento, mais experiência. E entendem que o crédito é uma ferramenta de evolução”, diz Leandro Thot. Segundo ele, da forma como esses serviços se estruturam, podem gerar experiências traumáticas para quem não está familiarizado.

Leandro Thot destaca ainda aspectos emocionais e psicológicos envolvendo o acesso a serviços financeiros. Esses serviços seriam frequentemente associados com situações de fracasso. Ele avalia que, se utilizado de forma responsável.

“Não é uma questão puramente relacionada com dinheiro. Obviamente passa por isso, mas não é o único fator. Ao falar de crédito, a pessoa arrepia. Há uma relação distópica onde a pessoa pega algum exemplo do passado, seja uma experiência própria ou de alguém próximo, em que o crédito não foi benéfico. Ele foi concedido em um momento não saudável ou foi usado de uma forma não viável e gerou endividamento. É preciso trabalhar o crédito como propulsor de evolução, mas de uma forma mais próxima da realidade.

A influenciadora digital e especialista em finanças pessoais Nathalia Rodrigues, conhecida como Nath Finanças, defende a necessidade de viabilizar crédito financeiro para as classes mais baixas e avalia que essas pessoas são vítimas de preconceito social. Ela refuta a ideia de que possam necessariamente se complicar com a dívida. “Não é bem assim. Elas nem conseguem ter acesso. Como é que são as mais endividadas?”, questiona.

O endividamento, segundo Nath Finanças, também tem relação com o comportamento dos bancos. “Infelizmente as pessoas se endividam muito mais por conta do cartão de crédito e devido aos limites altos que o banco coloca, que superam o salário. Imagina uma pessoa que ganha um salário mínimo e oferecem o limite de R$ 3 mil ou R$ 4 mil? Realmente, com a falta de educação financeira e às vezes precisando de dinheiro, essa pessoa pode acabar se endividando”, avalia.

De acordo com o estudo do will Bank, o cartão de crédito costuma servir como porta de entrada para os serviços bancários. Ele é acessado por 26,3% das mulheres pretas e pardas da classe DE. Mas apenas 2% desse grupo fazem investimentos. O índice salta para 49% entre os homens brancos da classe AB1. No recorte apenas por gênero, sem levar em conta a classe social, o estudo aponta que mulheres ficam mais constrangidas ao pedir empréstimo de forma presencial no banco: 37% das entrevistadas revelaram sentir vergonha nessa situação. Entre os homens, o índice foi de 26%.

O estudo desenvolvido pelo will Bank revelou ainda que 71,3% das pessoas não usam palavras positivas para descrever sua situação financeira atual. Ainda assim, os números são mais acentuados para mulheres pretas e pardas da classe DE. Nesse grupo, apenas 10,5% referiu-se à sua situação financeira com palavras positivas. Por outro lado, esse percentual é de 58,1% entre homens brancos da classe AB1.

Questionadas sobre a situação financeira em relação aos gastos rotineiros como supermercado, água, luz e moradia, 24,2% das mulheres pretas e pardas da classe DE usaram a palavra “desespero”. Por sua vez, 32,9% dos homens brancos da classe AB1 descreveram sua situação como “tranquila”.

É justamente a tentativa de cobrir buracos deixados por gastos rotineiros que muitas pessoas de baixa renda se complicam com empréstimos. Em maio, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou os resultados de um levantamento que mostra também o peso de fatores conjunturais nessa equação. Eles revelam mudanças no perfil dos empréstimos bancários nos últimos anos. A tendência era de crescimento do saldo de crédito imobiliário até 2016. Desde então, ele se mantém em um patamar constante, em torno de 9% do Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, as modalidades consignados, empréstimo pessoal e cartão de crédito passaram a crecer a atinge quase 23% do PIB.

“O comprometimento de renda atrelado ao crédito para pessoas físicas para consumo é extremamente elevado, aumentando a fragilidade financeira das famílias, não representando avanços reais na inclusão financeira”, avaliaram os pesquisadores envolvidos no levantamento.

Eles consideram que as mudanças estão alinhadas com a trajetória recente da economia brasileira, que oscilam entre recessão, estagnação e baixo crescimento. Esse cenário gera falta de otimismo na economia e alta dos juros, provocando assim queda na busca por financiamento imobiliário, que é considerado um crédito de maior qualidade porque está associado ao acúmulo de ativos.

De outro lado, ganha espaço as modalidades de crédito de consumo, muito procuradas por quem deseja mitigar ou compensar perdas, mas podem causar comprometimento da renda. Segundo constatou a FGV, as principais modalidades do crédito para pessoa física são financiamento imobiliário (29,2%), consignado (18,5%), cartão de crédito (15,5%) pessoal não consignado (7,9%,) e financiamento para aquisição de veículos (8,1%).

O acesso a serviços bancários pela população de baixa renda, embora ainda tenha limitações, aumentou consideravelmente nos últimos anos. No final de 2022, um estudo sobre o assunto foi publicado pela Plano CDE, uma empresa de pesquisa e consultoria de avaliação de impacto especializada nas famílias das classes CDE no Brasil. Foram levantados dados do sistema bancário e entrevistadas 2.370 pessoas.

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