Participação do Orçamento Mulher nas despesas da União é a menor desde 2021

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Além disso, gastos obrigatórios e não orientados especificamente para o público feminino inflam o valor já pequeno destinado ao Orçamento Mulher

O percentual de despesas para as mulheres no Orçamento Geral da União de 2023 é o menor dos últimos três anos. Desde 2021, quando esses gastos começaram a ser apurados e divulgados pelo governo federal, as ações voltadas para o público feminino consumiram em média 9,3% do total de pagamentos.

Entre janeiro e setembro desde ano, dos R$ 2,7 trilhões gastos nas mais diversas áreas pelo Poder Executivo, só R$ 224 bilhões foram para o Orçamento Mulher — 8,3% do total.

Os dados são do portal Siga Brasil, mantido pela Consultoria de Orçamentos e pela Secretaria de Tecnologia da Informação do Senado (Prodasen). Os valores estão atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Embora o valor nominal pago ao Orçamento Mulher até o mês de setembro tenha saltado de R$ 197,4 bilhões em 2021 para R$ 214,8 bilhões em 2023, a participação dessas ações no total de gastos do governo caiu ano a ano:

  • 9,9% em 2021
  • 9,7% em 2022
  • 8,3% nos nove primeiros meses de 2023.

Desarticulação
A consultora de Orçamento do Senado Rita dos Santos diz que, além da baixa dotação orçamentária, o País sofre com a desarticulação entre as esferas federal, estaduais e municipais.

“Precisamos de mais recursos. Mas, paradoxalmente, quando recebem os poucos recursos disponíveis, os órgãos que tratam de políticas para as mulheres não conseguem executar nem 60%.”

A presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), concorda com a avaliação. Ela lembra que, de 2012 a 2019, o Poder Executivo autorizou, em média, R$ 125 milhões anuais para a política de combate à violência doméstica.

“Isso equivale a menos de R$ 23 mil por município. E apenas 58% se traduziram em entregas à sociedade, por deficiência nos projetos, baixa coordenação federativa e baixa capacidade de operação, tanto dos órgãos federais responsáveis pelas políticas quanto dos órgãos municipais executores das ações”, afirma a parlamentar.

78% para ações não exclusivas
O Siga Brasil adota uma metodologia fixada pelo Poder Executivo para definir o que entra no Orçamento Mulher. Em 2023, são 88 ações desenvolvidas por nove órgãos federais. Mas algumas dessas despesas não são voltadas exclusivamente para o público feminino, por exemplo:

  • Benefício de Prestação Continuada (BPC)
  • Renda Mensal Vitalícia
  • Bolsa Família
  • complementação do Fundeb
  • gastos com merenda, transporte escolar e livros didáticos
  • despesas com atenção à saúde da população.

Só os gastos com os quatro primeiros itens somam R$ 125,2 bilhões — mais da metade (55,9%) de todas as despesas.

Outros R$ 50,3 bilhões pagos neste ano foram para procedimentos em média e alta complexidade em saúde — o equivalente a 22,4% do total. Ou seja: apenas cinco ações (não exclusivas para o público feminino) consomem 78,3% do Orçamento Mulher.

“Papel de cuidado”
De acordo com o Ministério do Planejamento, a inclusão desses benefícios na conta “se deve ao papel de cuidado prestado pelas mulheres”. A consultora Rita dos Santos, no entanto, critica a metodologia do Executivo. Segundo ela, se as políticas fossem desenhadas com esse olhar da “economia do cuidado”, as creches deveriam funcionar de janeiro a janeiro e em tempo integral.

“É apenas um critério estatístico simplório, que reforça o estereótipo e desqualifica o potencial das mulheres. Elas são colocadas como responsáveis pelo cuidado e ponto. Não foi um critério pensado para elas”, critica.

Por outro lado, ações com um recorte feminino mais incisivo contam com aportes bem menos expressivos. A implementação das Casas da Mulher Brasileira e dos Centros de Atendimento às Mulheres, por exemplo, recebeu R$ 17,6 milhões até setembro — menos de 0,01% do total.

Mais dinheiro e transparência
A senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) é a relatora de Receitas do projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024 (PLN 29/23). Ela defende mais recursos e mais transparência na divulgação dos valores.

“Qual o verdadeiro orçamento da área da mulher? Quando os números são apresentados em discursos e documentos públicos, vários orçamentos aparecem como sendo da mulher”, questiona a senadora, ressaltando que as mulheres representam mais de 50% da população.

Agenda transversal
O projeto do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027 (PLN 28/23) inova ao incluir as políticas para as mulheres entre as cinco agendas transversais que devem orientar a definição de políticas públicas com “abordagem multidimensional e integrada”.

As outras quatro áreas são crianças e adolescentes, igualdade racial, povos indígenas e meio ambiente.

Para cada agenda transversal, o PPA estabelece indicadores-chave nacionais que devem ser monitorados e melhorados ano a ano. No caso das mulheres, os indicadores são:

  • taxa de homicídios dentro das residências; e
  • diferença de rendimento médio em relação aos homens.

O PPA sugere como meta até 2027 reduzir em 16% a taxa de homicídios de mulheres dentro de casa. No caso da remuneração, o “resultado desejável” seria diminuir em 10% a razão entre os rendimento de homens e mulheres.

Mudanças de critérios
A agenda transversal do PPA impacta a LOA. O texto busca deixar claro quais gastos beneficiam especificamente o público feminino e quais atendem segmentos mais abrangentes da população.

Dos R$ 15,3 bilhões previstos, a proposta reserva R$ 306,4 milhões para ações exclusivas e R$ 14,9 bilhões para despesas não exclusivas.

Se comparada ao “hipertrofiado” Orçamento Mulher, a dotação de 2024 equivale a apenas 4,4% dos R$ 345,4 bilhões planejados para este ano. A diferença é que — embora continuem na peça orçamentária — as despesas bilionárias relacionadas ao “papel de cuidado” das mulheres não são computadas como ações da agenda transversal.

Com os R$ 306,4 milhões destinados a ações exclusivas, seria possível direcionar apenas R$ 10 anuais para cada mulher em situação de pobreza no País. Apesar disso, a consultora Rita dos Santos avalia que a abordagem sugerida é mais realista.

“Existe um esforço de dar muito maior transparência ao que está indo para gastos exclusivos ou não exclusivos. Isso já é um grande avanço”, comemora.

Ministério das Mulheres
Até 2022, as políticas destinadas a mulheres e direitos humanos estavam concentradas num só ministério e tinham um orçamento de R$ 715,7 milhões em 2023.

Com o desmembramento da pasta, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania deve ficar com R$ 412,2 milhões. Já o novo Ministério das Mulheres tem R$ 208 milhões previstos para 2024.

De acordo com o projeto da LOA, esses R$ 208 milhões devem ser aplicados em programas como:

  • Mulher Viver Sem Violência — R$ 67,8 milhões;
  • Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) — R$ 30,9 milhões;
  • Igualdade de Decisão e Poder para Mulheres — R$ 11,6 milhões; e
  • Autonomia Econômica das Mulheres — R$ 10 milhões.

Além disso, o Ministério da Justiça e Segurança Pública deve dispor de R$ 45 milhões para enfrentar a violência contra mulheres, e o Ministério da Educação deve destinar dinheiro para formação profissional de mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Há ainda ações para mulheres previstas nas áreas de Ciência, Tecnologia e Inovação; Pesca e Aquicultura; Desenvolvimento Agrário e Agricultura; Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; e Esporte.

Da Agência Senado
Edição – ND

Fonte: Agência Câmara de Notícias

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