Pesquisa mostra mudanças na forma de encarar o câncer de mama
De acordo com especialistas, desde a década de 1980, a doença deixou de ser vista como uma sentença de morte e passou a ser compreendida como uma doença crônica
O câncer de mama é uma doença que afeta milhares de mulheres no Brasil e no mundo. Mas como elas lidam com o processo de adoecimento, desde o diagnóstico até o tratamento? Uma pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) revela que houve mudanças significativas na maneira como a doença é encarada pela sociedade, principalmente pelo discurso médico e pelas próprias pacientes.
A antropóloga Waleska de Araújo Aureliano, professora do Instituto de Ciências Sociais da Uerj, acompanha há 20 anos a trajetória de mulheres com câncer de mama. Ela observa que, desde a década de 1980, a doença deixou de ser vista como uma sentença de morte e passou a ser compreendida como uma doença crônica, que pode ser tratada e controlada.
“Embora ainda tenhamos um estigma muito forte em torno da doença, muita coisa mudou. A percepção do câncer de mama como sentença de morte vem cedendo lugar à compreensão do câncer como uma doença crônica. Isso, claro, quando as pessoas afetadas têm acesso adequado a diagnóstico e tratamento”, afirma a pesquisadora.
Ela destaca que esse acesso é fundamental para garantir a qualidade de vida das mulheres com câncer de mama e que a campanha Outubro Rosa deve mencionar essa questão. “A ideia de que tudo depende da disposição individual das mulheres em se cuidar não funciona se não forem dadas as condições ideais para que todas possam fazer isso adequadamente”, diz.
Outro fator que contribuiu para a mudança na forma de encarar o câncer de mama foi a internet, com as mídias sociais, que deram maior visibilidade à doença e às experiências das mulheres que a enfrentam. “Isso afeta a narrativa das mulheres, uma vez que elas recebem esse diagnóstico acompanhado de um prognóstico que traz esperança de cura e qualidade de vida durante muitas décadas”, explica Waleska.
A pesquisadora também nota que as mulheres com câncer de mama passaram a ter mais autonomia sobre suas escolhas, como a de reconstruir ou não o seio após a cirurgia de retirada das mamas, a mastectomia. Ela ressalta que há uma pluralidade de modos de entender o câncer de mama, que dependem de fatores sociais e culturais, de acesso à saúde, da história pregressa, dos relacionamentos e do modo como a mulher se insere no mundo do trabalho.
Atualmente, Waleska se dedica a estudar trabalhos fotográficos artísticos e textos autobiográficos de mulheres que passaram pelo diagnóstico de câncer de mama. Para ela, esses registros marcam uma mudança na ideia da mulher como vítima para o empoderamento, com consciência das mudanças provocadas pelo diagnóstico e pelo tratamento, assim como a perda da vergonha em expor o corpo ou falar sobre a doença.
“É o movimento de algumas mulheres dentro de um universo muito heterogêneo. Não se pode pensar nas transformações como algo que atravessa todas as mulheres igualmente. Há uma variedade muito grande nessa experiência, a depender de fatores sociais e culturais, de acesso à saúde, sua história pregressa, dos relacionamentos e do modo como ela se insere no mundo do trabalho”, ressalta a antropóloga.
Ela também afirma ter observado, ao longo desses anos, que algumas formas de lidar com o câncer de mama, em alguns casos, reforçam padrões de representação do corpo feminino. “É como se depois do câncer não bastasse você ser mulher, você tem que se mostrar como mulher.”1de10