Racismo estrutural explica disparidade na mortalidade materna de negras e brancas
A mortalidade materna é definida como a morte de uma mulher durante a gestação
A mortalidade materna é um grave problema de saúde pública no Brasil, que atinge de forma desproporcional as mulheres negras. Segundo dados de 2022, divulgados nesta quinta-feira (23) pelo Ministério da Saúde e pela Fiocruz, a taxa de mortes de mães pretas foi mais que o dobro da de mães brancas: 100,38 por 100 mil nascidos vivos, contra 46,56. Entre as pardas, o índice foi de 50,36.
A pesquisa Nascer no Brasil II: Inquérito Nacional sobre Aborto, Parto e Nascimento revelou que essa diferença persiste há anos no país, e se agravou durante a pandemia de Covid-19. Em 2016, a razão de mortalidade materna de negras era de 119,4, e a de brancas, de 52,9. Em 2020, os números saltaram para 127,6 e 64,8, respectivamente. Em 2021, chegaram a 194,8 e 121.
A mortalidade materna é definida como a morte de uma mulher durante a gestação, o parto ou até 42 dias após o término da gravidez, por causas relacionadas ou agravadas pela gestação. O Brasil assumiu o compromisso de reduzir esse indicador para 30 mortes por 100 mil nascidos vivos até 2030, conforme os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. No entanto, o país está longe de alcançar essa meta.
Para entender as razões da disparidade racial na mortalidade materna, a pesquisa analisou uma série de fatores que interferem na qualidade da assistência à saúde das gestantes. Entre eles, o acesso ao pré-natal, a presença de doenças, a idade da gestação, o local de internação e a peregrinação para conseguir fazer o parto.
Os resultados mostraram que as mulheres negras enfrentam mais dificuldades e vulnerabilidades em todas essas dimensões. Por exemplo, 13,4% das pretas e pardas iniciaram o pré-natal no segundo trimestre da gravidez, considerado tardio, enquanto entre as brancas o percentual foi de 9,1%. Além disso, as negras apresentaram os maiores índices de hipertensão arterial grave (58,5%) e pré-eclâmpsia grave (26,5%), doenças que aumentam o risco de complicações na gestação.
Outro dado que chama a atenção é a idade da gestação. A maioria das grávidas pretas e pardas tinha entre 10 e 19 anos, 15,9% e 13,8%, respectivamente. Já as gestantes brancas eram maioria nos casos de gestações após 35 anos, 18%. Esses números revelam que as mulheres negras engravidam mais cedo, muitas vezes de forma indesejada ou forçada, e têm menos acesso a métodos contraceptivos.
O local de internação também reflete as desigualdades sociais e raciais no país. As mulheres pretas e pardas se internaram mais em hospitais públicos para parto ou aborto, em comparação às brancas: 66,9%, 63% e 55,2%. Além disso, quase 20% das pardas e 19% das pretas tiveram que procurar atendimento médico em mais de uma unidade de saúde para o parto, situação que afetou 14% das brancas.
Para os especialistas, esses dados evidenciam o racismo estrutural que permeia o sistema de saúde brasileiro, e que se manifesta na forma de discriminação, negligência, violência e invisibilização das mulheres negras. Segundo eles, é preciso reconhecer e combater o racismo como um determinante social da saúde, que interfere na qualidade de vida e na garantia de direitos das populações negras.
O Ministério da Saúde informou que está adotando medidas para reverter esse cenário e reduzir a mortalidade materna no país, especialmente entre as mulheres negras. Entre as ações previstas, estão a construção de 30 maternidades e 30 centros de parto normal, a contratação de 30 mil profissionais pelo Mais Médicos, o repasse de recursos para custeio de equipes multiprofissionais e a implementação de protocolos clínicos e de boas práticas na atenção obstétrica.