Mulheres são 32% do total de pescadores no Ceará

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O levantamento do Painel de Consultas do Registro Geral da Atividade Pesqueira (SISRGP), de novembro deste ano, apontou que o Ceará tem, no total, 22.720 pescadores profissionais, sendo que 32,1% são mulheres (7.308). O número está abaixo da média brasileira, que possui 49% de participação feminina no ofício. Para a Federação Estadual dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultores do Estado do Ceara (Fetape-CE), os dados mostram que muitas pescadoras ainda não estão registradas.

A pesquisa apontou que o Brasil conta, neste momento, com 1.035.478 pescadores profissionais ativos, todos devidamente licenciados. Desse total, 507.896 são mulheres – o que representa 49% de participação feminina no ofício. Contudo, em cinco estados as mulheres lideram: Sergipe (62%), Bahia (58%), Alagoas (58%), Maranhão (56%) e Pernambuco (55%). Em números absolutos, Maranhão (150.061 pescadoras) e Pará (100.705) lideram no País.

Os dados foram gerados após a conclusão dos trabalhos da força-tarefa que envolveu 80 servidores dos ministérios da Pesca e Aquicultura, Trabalho e Emprego, e Previdência Social. O grupo ficou reunido, entre 15 de setembro e 10 de novembro, onde também fez o processamento de 180.638 pedidos de RGP acumulados nos últimos anos.

CENÁRIO ESTADUAL

A disparidade, no Ceará, entre o número de homens (15.412) em relação ao de mulheres (7.308) chama atenção. No entanto, o pescador Raimundo Félix, presidente da Fetape Ceará, acredita que a diferença não condiz com a realidade. “Cadastrar uma mulher como pescadora, no Ceará, sempre foi uma dificuldade. Existe muito mais que esses 32%. Temos comunidades inteiras com mulheres pescadoras não registradas”, garante.

O presidente da Fetape acredita que o País ainda restringe o reconhecimento de atividades profissionais, como a pesca artesanal. Na sua avaliação, isso vem desde as primeiras formas de obter o registro, que envolveu diferentes órgãos ao longo dos anos, como a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEP), a antiga Secretaria da Agricultura, Pesca e Aquicultura do Estado do Ceará (SEAPA), o próprio Ibama e, por último, o Ministério da Pesca e Aquicultura, que chegou a ser extinto, mas voltou a ser ativado pela atual gestão do governo Lula (PT). “Essa instabilidade impacta”, enxerga Félix.

“Ainda está muito distante da realidade. Muitas mulheres trabalham, cresceram na pesca, vivem da pesca, construiu sua família como pescadora, mas não têm o registro profissional”, completa o presidente da entidade, que nos últimos anos tem realizado ações e eventos para mudar esses números. “A partir do momento que é tratadora, evisceradora e vendedora, ela já é pescadora. Sabe da pesca, tem filho pescador, pais e ainda resistem. Isso foi um erro de políticas públicas do passado que se tenta corrigir”, completa Felix.

A pescadora Josenilda Martins, da comunidade de Barragem, que fica na margem do Açude do Orós, possui seu registro de pescadora desde 2002. No entanto, ela só se empenhou na obtenção da regularização após ter sua primeira filha. Um dos direitos assegurados às pescadoras é o salário-maternidade. “Fui pra colônia e fiz meu registro”, lembra.

Hoje, aos 43 anos, ela enxerga que há várias outras mulheres que, assim como ela, vivem da pesca, mas não fazem o registro por falta de um autorreconhecimento e de acesso à informação. “Temos colônias que não fazem registro de mulheres, aí ficam sem saber o que fazer. Há alguns anos, algumas estão tendo mais consciência, filhas de pecadores, mulheres de pescadores”, enxerga Josenilda.

Como presidente da Colônia de Pescadores do Orós, Josenilda estima que há cerca de 150 pescadoras registradas na entidade. O número de homens se aproxima de 500. Uma proporção parecida com os dados divulgados pelo Governo Federal. “Mas tem muito mais pescadoras. São mulheres que acham que se envolvem em toda a cadeia ao lado do marido e enxergam apenas ele como pescador”, avalia. Em muitos casos, como o da própria Josenilda, as mulheres acordam antes do sol raiar e já estão no açude.

“A gente chega a voltar 18h, 19h”, descreve. Mesmo as que não estão literalmente com os pés na água, trabalham tratando os peixes, remendando as redes, fazendo as linhas. “Querendo ou não, a mulher de pescador se envolve e são profissionais mesmo”, acrescenta.

MULHERES INVISÍVEIS

Ainda neste cenário delicado, há no litoral cearense as mulheres que sobrevivem da captura de mariscos. A estimativa é que, por exemplo, 50 famílias tirem seu sustento do Rio Jaguaribe, a partir das vendas de sururu, ostras e búzios. Diferente de estados como Bahia e Pará, a profissão “marisqueira” não é regulamentada no Ceará e, muitas delas, não conseguem se registrar como pescadoras artesanais.

A renda não acontece no ano inteiro. No período chuvoso, o Rio Jaguaribe fica cheio e a água “adoça”, dificultando a reprodução dos mariscos. “No período do inverno, quando começa muito cedo, já morrem em fevereiro. Aí ficamos até junho sem capturar”, explica Luciana Santos, da comunidade do Cumbe, em Aracati. Sem eles, o grupo de mulheres busca garantir que sejam reconhecidas no Seguro Defeso, que no Ceará só contempla a piracema e a lagosta. Outros benefícios também não são acessados, segundo elas, pela dificuldade de serem reconhecidas como pescadoras artesanais pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

DIREITOS

O registro de pescador garante uma série de direitos previdenciários diferentes dos demais trabalhadores, sendo considerados pelo INSS como “segurados especiais”, ou seja, que conseguem os benefícios a partir da comprovação da atividade. Entre os direitos, estão: auxílio-doença, auxílio-acidente, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão, aposentadoria por invalidez e aposentadoria rural do segurado especial. Além disso, tem acesso ao seguro defeso durante o período da piracema.

Para conseguir se registrar, o pescador deve apresentar uma série de documentos, listados no site do Governo Federal. Em caso de filiação a alguma entidade ligada à atividade pesqueira, é importante anexar uma declaração. Paralelo a isso, o secretário adjunto de Pesca e Aquicultura do Ceará, Euvaldo Bringel, antecipou que o Ceará está trabalhando para criar uma carteira estadual de pescador artesanal, englobando as marisqueiras, o que facilitaria o reconhecimento.

Fonte- Opinião

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