Seca e desertificação ameaçam o Semiárido brasileiro
O alerta foi feito por cientistas e gestores públicos em uma audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados
O Semiárido brasileiro, que abrange parte dos estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais, enfrenta uma situação crítica de seca e desertificação, que pode se agravar com as mudanças climáticas. O alerta foi feito por cientistas e gestores públicos em uma audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados.
A região, que já havia sofrido o mais longo período de seca da história entre 2012 e 2018, agora é afetada pela combinação dos efeitos do fenômeno El Niño, que reduz as chuvas na região, e do aumento das emissões de gases do efeito estufa, que elevam a temperatura global.
Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), dezembro registra 359 municípios em situação de emergência por causa da seca, a maioria em Pernambuco (90), Piauí (90) e Bahia (81). Mais de 5 milhões de pessoas estão em área de seca extrema ou severa, sofrendo com a escassez de água para consumo humano, animal e agrícola.
O Consórcio Nordeste, que integra ações dos nove estados da região, vê risco de colapso em alguns reservatórios de água, como Jucazinho (Pernambuco) e São José do Jacuípe (Bahia), que hoje têm índice de apenas 10% de armazenamento.
O secretário de Recursos Hídricos e de Saneamento de Pernambuco, José Almir Cirilo, admitiu preocupação. “A situação é grave. A Agência Pernambucana de Águas e Clima tem a visão de que a conjunção de eventos climáticos pode efetivamente trazer uma extensão significativa desse processo. O momento de agir é esse, enquanto ainda podemos ter o mínimo de antecipação entre a ação e o efeito”, disse.
Além da seca, outro problema que ameaça o Semiárido é a desertificação, que é a degradação do solo e da vegetação por causa de fatores naturais e humanos. A desertificação reduz a capacidade produtiva da terra e compromete a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.
Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), o climatologista Carlos Nobre mostrou os resultados de um levantamento concluído em novembro pelo Cemaden e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Nos últimos 60 anos, houve aumento de cerca de 80 mil quilômetros quadrados no semiárido brasileiro, avançando sobretudo em áreas de Cerrado. Em cenário de manutenção de elevadas emissões de gases do efeito estufa, Nobre aponta risco de que 30% do semiárido se tornem semidesertos, com apenas 300 a 400 mm de chuva por ano, concentrada e intensa.
“Desertificação é um fenômeno físico-geológico em que se tem um solo muito degradado e chuva muito intensa que causa megaerosão: perde-se mais de um metro de solo, atingindo um solo profundo com enorme quantidade de alumínio. Esse solo não permite o crescimento de vegetação”, explicou Nobre. “É muito preocupante. Com as mudanças climáticas, essa dinâmica de desertificação vai aumentar muito”.
Carlos Nobre disse que a solução para a região passa por incentivos a modelos agrícolas que valorizem as características da Caatinga, considerada a savana estépica mais biodiversa do mundo. Coordenador da Articulação do Semiárido Brasileiro, Paulo Pedro de Carvalho concordou.
“O bioma Caatinga já é um grande estocador de alimentos. É preciso a gente seguir o exemplo do bioma, estocando água e alimentos: recaatingar as regiões que estão em processo de desertificação. Para nós, a base é a convivência com o semiárido, é a agroecologia e recuperar os solos”, disse Carvalho.
Entre as várias ações imediatas citadas por especialistas estão a retomada do Plano Nacional de Combate à Desertificação e o reforço do Programa de Cisternas e da Operação Carro-Pipa. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) defendeu a aprovação do projeto de lei (PL 8894/17) que cria o Fundo de Atendimento às Situações de Emergência e de Calamidade Pública Decorrentes de Secas (Fasec).
Já o Consórcio Nordeste informou que já estão em curso ações emergenciais de perfuração de poços para operar com energia solar, instalação de dessalinizadores com energia solar, recuperação e adequação de adutoras, construção de barragens subterrâneas, reforço das estações de tratamento de água.
Organizador do debate, o deputado Fernando Mineiro (PT-RN) cobrou reforço orçamentário e ações integradas dos órgãos públicos.