Educação sexual nas escolas avança, mas esbarra em conservadorismo familiar, dizem profissionais do Ceará

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Profissionais da educação do Ceará falam que a abertura ao tema cresce ao longo dos anos, mas a recusa familiar ainda atrapalha a discussão do tema com os alunos.

A urgência do debate saltando os obstáculos do conservadorismo. Assim tem sido o trajeto da educação sexual nas escolas do Ceará. Profissionais da educação falam que a abertura ao tema cresce ao longo dos anos, mas a recusa familiar ainda atrapalha maiores avanços. Entre os motivos, professores destacam o conservadorismo em falar sobre sexo. Campanhas como o “Maio Laranja” tentam mudar essa realidade, e este sábado, 18 de maio, é marcado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

A temática, no entanto, ganha força, especialmente quando casos se destacam como uma denúncia feita em Viçosa do Ceará, interior do estado. No último dia 9 de maio, uma estudante de 12 anos denunciou que sofria abuso sexual do próprio irmão — que abusava ainda de mais duas irmãs — após assistir uma palestra sobre educação sexual na escola onde estuda.

A palestra fazia parte de uma parceria entre a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) e o Comando da Polícia Militar para Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac), que oferece ações e atividades de prevenção especializada, unindo proteção social e segurança pública. A Seduc falou ainda sobre a Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre) da Polícia Civil. Todas essas ações são acompanhadas por áreas específicas da secretaria.

O Ministério da Educação informou que a educação sexual é uma das ações prioritárias a serem cobertas no âmbito do Programa Saúde na Escola, política pública desenvolvida pelos ministérios da Educação e da Saúde. O tema já é consolidado dentro da Pedagogia e do próprio Ministério da Educação.

Em 2001, o Plano Nacional de Educação determinou a inclusão da educação sexual nas diretrizes curriculares dos cursos de formação de docentes. O acesso à educação sexual no ensino público é uma ação de saúde muito necessária. Segundo o IBGE, na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense, 2015), 33,8% dos adolescentes do 9º ano do Ensino Fundamental entrevistados no levantamento responderam não ter usado camisinha na última relação sexual.

O ministério considerou também que abordar educação sexual nas escolas é uma forma de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Entre 2015 a 2021, foram notificados 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, sendo 83.571 contra crianças e 119.377 contra adolescentes (dados do próprio ministério).

A professora de sociologia, Iara Danielle, avaliou os avanços que tem notado nas discussões sobre educação sexual no ambiente escolar, em comparação a mais de uma década atrás, quando começou a lecionar.

“Quando eu iniciei na carreira, dando aula de sociologia, era inevitável tratar dessa temática, só que era muito complicado porque são temas tabus, que não são bem vistos por algumas gestões”, comentou. “É notório quanto nossos alunos passam por situações de abuso em casa e, muitas vezes, nem entendem o que são esses abusos porque falta informação”, complementou Iara.

“Quando a criança e o adolescente são bem orientados, bem informados, e entendem a diferença entre um carinho e assédio, essas coisas podem ser evitadas; ou, quando acontecem, se sentem mais seguras para denunciar”, disse.
“A gente toma muito cuidado para não despertar gatilhos. Muitas vezes, em palestras dessas, a gente acaba descobrindo situações de abuso dentro das casas e cotidianos desses alunos e alunas”, complementou Iara.

A professora alertou para a necessidade de pensar estrategicamente sobre como abordar os temas, principalmente com o público adolescente que está no ensino médio. “A gente consegue adaptar para a linguagem deles. Hoje em dia, tem as redes sociais que trazem vídeos curtos com explicações, que o professor pode pegar e levar como tema de debate; é algo que eles gostam. Também podemos sugerir páginas [de redes sociais]”, pontuou.

Incentivo familiar
Foi pensando em como e quando falar sobre questões sexuais que Maria de Fátima Voss decidiu abordar o tema com o filho, Francisco Voss, que hoje tem 12 anos. No entanto, ela começou a tratar da temática quando ele era ainda mais novo — por volta de seis anos. “O maior medo para uma mãe, é o que de pior a gente imagina que pode acontecer com um filho, é ser abusado por alguém”, declarou.

“Encontrar a linguagem certa sempre é muito delicado, mas, da nossa maneira, a gente sempre conseguiu falar sobre isso. Hoje, eu falo com ele sobre sexo com uma naturalidade muito maior do que, eu imagino, os outros colegas dele falam [com as famílias]”, disse.
Na contramão da tendência conservadora familiar, Maria avaliou que falar sobre educação sexual nas escolas é algo fundamental. “Acho que é urgente [a educação sexual nas escolas], é necessário. Acho que é uma frase clichê, mas que se mostra cada vez mais verdadeira, que a pessoa que é contra é porque tem alguma coisa a esconder”, comentou.

“É muito angustiante ter um filho entrando na pré-adolescência, período em que eles realmente deixam de estar o tempo todo sob nossos cuidados. Para mim, ele chega agora em um momento em que começa a ter curiosidades de cunho sexual e que ele vai partir para uma nova experiência de mundo”, destacou Maria.

Ela disse que, inclusive, acha que o tema precisa ser discutido além do ambiente escolar, mas também em outros contextos comunitários. Em qualquer oportunidade que estejamos falando sobre educação de crianças, precisamos falar de educação sexual.

Iniciativas públicas
O g1 questionou à Secretaria da Educação do Ceará como o órgão tem trabalhado com o tema da educação sexual no ensino médio. A Seduc informou que “Equidade de Gênero e Proteção às Mulheres” é o tema norteador nas escolas estaduais em 2024. A temática deve perpassar tanto o currículo, como as interações pessoais em suas diversas formas.

O tema direciona projetos importantes da rede estadual de ensino como “Ceará Cientifico”, “Alunos que inspiram”, “Escola Espaço de Reflexão” e “Fórum dos Grêmios Estudantis”, além de influenciar direta ou indiretamente em todos os programas, projetos e ações da Seduc.

Além disso, a pasta conta com uma secretaria executiva de Direitos Humanos e Equidade, que tem desenvolvido ações voltadas às diversas temáticas envolvidas nessa área. São materiais impressos e de acesso virtual, formações, palestras para a comunidade escolar.

A Seduc implementou as Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra a Criança e o Adolescente na rede pública estadual, em parceria com o Ministério Público. Esse processo tem como finalidade reforçar o papel protetivo da escola e estreitar sua relação com a Rede de Proteção para fortalecer uma atuação protagonista da unidade de ensino.

As comissões elaboram seus planos de prevenção, promovendo debates e formação continuada em direitos humanos nas suas várias dimensões. Entre as iniciativas destinadas à temática em questão, foi elaborada uma série de materiais específicos como o livro “Olhares Plurais na Escola: Dialogando sobre Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade”, para formação de professores, e a cartilha “Gênero e Sexualidade: Que Babado é Esse?”.

Tanto o livro como a cartilha foram impressos e entregues às escolas da rede estadual e estão disponíveis, juntamente com outros materiais de Educação em Direitos Humanos. A Seduc planeja promover um Curso de Letramento de Gênero cuja intenção é disponibilizar os materiais produzidos (livro e cartilha).

A Secretaria da Educação, por meio de suas regionais e escolas, conta com a parceria e o atendimento dos órgãos de segurança. Entre eles está o Comando da Polícia Militar para Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac), que oferece ações e atividades de prevenção especializada, unindo proteção social e segurança pública. Da mesma forma, com a Divisão de Proteção ao Estudante (Dipre) da Polícia Civil. Todas essas ações são acompanhadas por áreas específicas da Seduc.

Fonte: G1 CE

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