6 em cada 10 famílias do Nordeste deixam de comprar comida para pagar conta de luz

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Cerca de 45% dos nordestinos comprometem pelo menos metade do orçamento familiar com a conta de luz. O dado é da pesquisa de Justiça Energética realizada pelo Instituto Pólis, em parceria com o Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec). Quando é considerado o número de famílias na Região, o levantamento aponta que 62% delas precisam deixar de comprar alimentos básicos para conseguir pagar a energia.

O encargo com energia elétrica foi o item mais apontado pelos entrevistados do Nordeste como comprometedor do orçamento, ao lado da alimentação. O impacto da conta de luz supera os gastos com moradia, saúde, água, transporte público e lazer, segundo a pesquisa.

O peso da conta de luz só é sentido com mais intensidade na região Norte, onde a cada três pessoas, duas tem a conta de luz como maior comprometedora do orçamento doméstico. Dos nortistas entrevistados na pesquisa, 53% dedica metade ou mais da metade do orçamento com gastos de energia.

A pesquisadora e economista Lilian Lopes ressalta que o Norte e o Nordeste, além de registrarem uma maior proporção de famílias pobres, têm as tarifas médias de energia mais elevadas.

“A população mais pobre já compromete boa parte de seu orçamento em alimentação. Se o custo da energia elétrica se eleva, a alimentação fica cada vez mais comprometida e, consequentemente, a saúde, agravando ainda mais a pobreza não só no curto prazo, como também em seu aspecto intergeracional”, explica a especialista.

POBREZA ENERGÉTICA NO PAÍS
No cenário nacional, para 36% dos entrevistados a renda familiar mensal é tomada majoritariamente pela conta de luz – cenário se caracteriza como de pobreza energética pelo Instituto Pólis. A conta de luz perde apenas para a alimentação, que é o item destacado com o de maior peso financeiro por 50% dos entrevistados.

Os resultados são melhores que os encontrados pela pesquisa em 2021. O percentual de entrevistados que utilizam metade ou mais da metade da renda familiar com a conta de energia elétrica caiu dez pontos percentuais.

“Ainda que em 2021, no auge da pandemia de Covid 19, 46% das famílias brasileiras viviam esse ciclo da pobreza energética, essa realidade ainda segue alarmante. A pesquisa aponta que a vulnerabilidade energética em razão do preço da energia segue afetando número expressivo de famílias”, afirma o estudo.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) projeta que a conta de luz vai ficar 5,6% mais cara no País em 2024 – alta acima da inflação. Desde 2021, os consumidores residenciais veem a tarifa de energia encarecer mais que a inflação média.
IMPACTO MAIOR NAS FAMÍLIAS POBRES E NEGRAS
O peso da conta de luz impacta mais as famílias com renda mensal até um salário mínimo. A maior parte das famílias pobres, 53%, dedica a maior parte do salário para a energia. Entre as famílias que ganham mais de cinco salários mínimos, essa situação só é enfrentada por 16%.

A população negra também sofre mais para pagar a conta de luz – 43% das famílias negras gastam a maior parte do orçamento disponível com a energia.

Para conseguir pagar a conta de luz, cerca de um terço dos entrevistados afirma que reduziu a compra de alimentos básicos e bens de consumo. Já outros 14% revelaram atrasar o pagamento do encargo elétrico – representando cerca de 23 milhões de brasileiros.

O custo elevado do acesso à energia no Brasil está relacionado à insegurança alimentar, atesta o professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), João Mário de França.

O economista aponta que as famílias mais vulneráveis, que utilizam a energia predominantemente para a conservação de alimentos, enfrentam também a falta de disponibilidade ou baixa qualidade dos serviços de energia em aglomerados urbanos, como favelas e periferias.

“A pobreza energética, olhando questões de acesso, qualidade do serviço e seus custos, é presente principalmente em países com estágio de desenvolvimento considerado não adequado”, afirma.

TARIFA SOCIAL
As famílias de baixa renda têm acesso à Tarifa Social de energia elétrica, iniciativa que concede descontos na conta de luz a depender do consumo.

Para as famílias com consumo de até 30 kWh, há desconto de 65% nas contas de luz. Entre 31 e 100 kWh, o abatimento é de 40%. Já de 101 kWh até 220 kWh mensais, o desconto na conta de luz é de 10%.

Em todo o País, 24,9 milhões de famílias são aptas a receber a Tarifa Social de Energia Elétrica, mas apenas 17,05 milhões recebem o benefício, segundo a Aneel. Ou seja, 7,92 milhões têm o direito ao desconto, mas não o utilizam.

Lilian Lopes aponta que o programa da Tarifa Social é importante, mas não é suficiente para acabar com as desigualdades.

“Seria interessante reimplementar uma nova tarifa social que realmente refletisse em sua composição custos menores de tributos e encargos para os mais pobres. Afinal, não é justo que consumidores com diferentes níveis de renda paguem uma mesma proporção de tributos e encargos”, sugere.

A economista afirma que as vantagens dos estados nordestinos, de acesso fácil às energias solar e eólica, são pouco aproveitadas. Com o aumento da escala de produção das energias renováveis, a redução tarifária para os mais pobres poderia viabilizada.

Outra estratégia para diminuir o índice de pobreza energética é a utilização de subsídios cruzados, com a redução tarifária para as famílias pobres compensada com um pequeno aumento nas contas dos demais consumidores, explica João Mário de França.

“Para ter um efeito ainda maior de redução de custo da conta de energia, precisaria também da formulação de uma política pública bem mais ampla com entendimento desse problema da pobreza energética que garanta aos grupos mais vulneráveis capacidade de aquisição de serviços energéticos modernos e aparelhos mais eficientes no sentido de menor consumo”, aponta.

A pesquisa do Instituto Pólis identificou em quais itens as famílias brasileiras investiriam se o gasto com energia fosse desafogado. Caso a conta de luz fosse reduzida, a maioria das famílias utilizaria o dinheiro para comprar alimentos básicos.

A aplicação do dinheiro para alimentação seria maior principalmente entre as famílias com rendimento de até um salário mínimo – 66% das respostas.

Fonte: Diário do Nordeste

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