Cultura de violência no país dificulta leis de proteção às crianças
Houve 129.287 denúncias de atentados à integridade contra crianças e adolescentes no Brasil até 23 de junho deste ano
Nas paredes e muros da região administrativa do Cruzeiro, no Distrito Federal, a conselheira tutelar Viviane Dourado, de 49 anos, está traduzindo ideais com tintas e pincel. Designer e educadora social, Viviane acredita que a arte pode ser uma estratégia eficaz para se aproximar das famílias e combater a violência contra a infância.
Viviane relembra sua própria infância, marcada por castigos físicos, que a inspiraram a ser mãe solo e profissional na luta contra essas práticas. “Os tempos da minha infância não contavam com a legislação que temos hoje”, diz. Em 26 de junho, a Lei Menino Bernardo, também conhecida como “Lei da Palmada” (Lei 13.010/2014), completou uma década. Esta lei, complementando o Estatuto da Criança e do Adolescente, garante o direito a uma educação sem castigos físicos ou tratamento cruel.
A lei foi nomeada em memória de Bernardo Boldrini, um menino de 11 anos que foi morto pela madrasta e pelo pai em 2014. Para a promotora de Justiça Renata Rivitti, do Ministério Público de São Paulo, a Lei Menino Bernardo é um marco no Brasil, um país onde ainda há uma percepção distorcida de que a educação rígida é necessária. “Ainda há uma romantização da educação com violência como algo legítimo”, explica Rivitti.
De acordo com o Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, houve 129.287 denúncias de atentados à integridade contra crianças e adolescentes no Brasil até 23 de junho deste ano. Desse total, 62% ocorreram dentro de casa. O painel considera violências físicas, negligência e violência psíquica. Em 8.852 casos, as próprias crianças pediram ajuda.
A pesquisadora Águeda Barreto, da ONG ChildFund Brasil, destaca o caráter pedagógico e preventivo da Lei Menino Bernardo, mas ressalta que ainda há muito a ser feito, especialmente em termos culturais. Em 2019, a ChildFund realizou um levantamento mostrando que 67% das crianças brasileiras não se sentiam suficientemente protegidas contra a violência. Além disso, 90% das crianças rejeitam o castigo físico como forma de educação.
A pesquisa nacional da ChildFund sobre a violência doméstica concluiu que há fragilidade na implementação de leis que protegem contra a violência infantil. A ONG argumenta que a garantia de direitos prevista no ECA ainda não se concretiza plenamente.
Entre as legislações avançadas, Águeda destaca a Lei Henry Borel e a Lei 14.826, que promove a “parentalidade positiva e o direito ao brincar”. A promotora Renata Rivitti também menciona a Lei 13.431, de 2017, que garantiu maior proteção às crianças, determinando uma abordagem integrada envolvendo justiça, segurança pública, saúde, assistência social e educação.
Para Águeda Barreto, é dever do Estado, da família e da sociedade promover uma educação baseada no respeito. Ela vê as legislações como evoluções importantes desde a Lei Menino Bernardo e o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990.