Nova lei pretende estimular a produção de alimentos nas cidades
A lei visa transformar o cenário da agricultura nas cidades e suas periferias
A produção de alimentos locais, o aumento da agilidade no transporte, a geração de empregos e o fornecimento de itens alimentícios a famílias de baixa renda são alguns dos potenciais benefícios da recém-sancionada Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana. A nova legislação, assinada na última sexta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, visa transformar o cenário da agricultura nas cidades e suas periferias. No entanto, especialistas alertam que para concretizar esse potencial, será necessário um esforço conjunto dos governos federal, estaduais e municipais.
Definida pela Lei Nº 14.935, a Agricultura Urbana e Periurbana (AUP) abrange atividades agrícolas e pecuárias dentro e ao redor das áreas urbanas. Os objetivos incluem a ampliação da segurança alimentar e nutricional das populações urbanas vulneráveis, a geração de renda e ocupação para a população urbana, e o estímulo ao trabalho de cooperativas e organizações da economia solidária. A nova política também pretende articular programas de abastecimento e compras públicas para escolas, creches, hospitais e outros estabelecimentos públicos.
Jaqueline Ferreira, diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, destaca o potencial oculto da agricultura urbana. “Estamos falando de uma agricultura que já acontece nas cidades, mas é invisibilizada. Grandes metrópoles brasileiras já possuem iniciativas do tipo, mas esses produtores muitas vezes não conseguem acessar políticas públicas devido à falta de reconhecimento como estabelecimentos agropecuários”, explica Ferreira. Entre as dificuldades enfrentadas pelos produtores estão o acesso ao crédito e a regularização dos empreendimentos.
Segundo o Instituto Escolhas, se apenas 5% dos espaços mapeados como possíveis áreas de expansão da Agricultura Urbana fossem utilizados em Curitiba, Recife e Rio de Janeiro, cerca de 300 mil pessoas poderiam ser abastecidas anualmente com alimentos produzidos localmente. Em Curitiba, isso representaria 96% das pessoas em situação de pobreza beneficiadas. Em Belém, a prática poderia abastecer 1,7 milhão de pessoas, superando a população local.
Além de fornecer alimentos, a agricultura urbana tem o potencial de gerar empregos e aumentar a segurança alimentar em áreas periféricas. Na Região Metropolitana de São Paulo, a agricultura orgânica nas áreas periurbanas poderia criar 180 mil empregos, segundo simulações realizadas em áreas de pastagem atuais, sem necessidade de avançar para regiões de preservação ambiental.
Leonardo de Freitas Gonçalves, pesquisador da PUC-RJ, vê a nova legislação como um avanço significativo e necessário, especialmente considerando o crescimento global da agricultura urbana. Ele menciona o decreto 11.700/2023, que instituiu o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, como um passo importante. Gonçalves acompanhou uma horta comunitária no subúrbio do Rio de Janeiro, criada durante a pandemia por moradores de um conjunto habitacional. “Foi um exemplo impressionante de como uma área ociosa e degradada pode ser transformada para garantir a função social da propriedade”, comenta.
Jaqueline Ferreira ressalta a necessidade de colaboração entre diferentes níveis de governo para que a nova política seja bem-sucedida. “Se o governo federal não fizer um esforço com um programa robusto de fomento, será difícil para os entes locais desenvolverem experiências de agricultura urbana por conta própria”, analisa. Ela sugere que governos municipais atuem na articulação com empresas e grupos interessados, facilitando o acesso a terrenos e realizando parcerias.
Desde a instituição do decreto em 2023, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) já investiu R$ 7 milhões em iniciativas de produção de alimentos saudáveis nas cidades e em hortas comunitárias em diversos estados. A nova legislação também incentiva a criação de feiras livres e outras formas de comercialização direta, além de prever linhas especiais de crédito para agricultores urbanos e periurbanos, facilitando o acesso a recursos financeiros essenciais para a produção, processamento e comercialização de alimentos.