Cerca de 40% dos brasileiros não se identificam com espectros políticos tradicionais
Esse padrão é consistente em todos os recortes analisados, incluindo religião, gênero, raça e sexo
A proximidade do primeiro turno das eleições municipais no Brasil reacende o debate sobre ideologias políticas, mas uma pesquisa recente do DataSenado em parceria com a Nexus revela um dado surpreendente: 40% dos brasileiros não se identificam com as categorias políticas tradicionais de esquerda, centro e direita. Esse padrão é consistente em todos os recortes analisados, incluindo religião, gênero, raça e sexo.
A cientista política Denilde Oliveira Holzhacker atribui esse fenômeno à falta de compreensão e interesse da sociedade em relação às classificações ideológicas. Para ela, o distanciamento das pessoas em relação aos conceitos de esquerda e direita reflete a descrença no sistema político. “O debate político no Brasil está desvinculado das representações tradicionais, como os partidos. As pessoas podem ter visões mais à esquerda ou à direita, mas não utilizam essas classificações para se posicionar”, explica Denilde, professora da ESPM.
Segundo a pesquisadora, o foco no Brasil tem sido a personalização da política, com uma conexão mais forte com líderes políticos do que com partidos ou ideologias. A identificação com figuras como Bolsonaro ou Lula é mais evidente do que com ideais partidários, reforçando a ideia de que muitos eleitores se ligam aos discursos dos líderes em detrimento de uma posição ideológica clara.
O cientista político Rafael Machado Madeira complementa essa análise, destacando que os próprios partidos políticos brasileiros têm contribuído para o esvaziamento dessas categorias ao se desassociarem delas. Ele explica que, após a ditadura militar, partidos de direita tentaram se afastar da imagem negativa associada ao regime, especialmente devido ao mau desempenho econômico da década de 1980. Esse movimento ajudou a diluir os rótulos ideológicos.
Machado também aponta que, para grande parte do eleitorado, as pautas imediatas superam as discussões ideológicas. Ele exemplifica com o caso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, ao longo dos anos, foi posicionado de forma diferente no espectro político. “Nos anos 1990, ele era visto como de direita, mas nos anos 2020, com o surgimento do bolsonarismo ocupando a extrema direita, FHC passou a ser percebido como mais de centro”, explica o professor da PUCRS.
A pesquisa revela, portanto, uma sociedade política brasileira que se preocupa mais com lideranças e questões imediatas do que com rótulos tradicionais, evidenciando a fluidez das classificações ideológicas em um cenário marcado por mudanças constantes no panorama político.