Moradores apontam falhas em acordo que dá posse da Vila de Jericoacoara a empresária
Grupo se mobilizou para protestar e dar visibilidade à negociação entre PGE-CE e empresária para posse de terrenos na Vila de Jericoacoara. Empresária apresentou documento e reivindica 83% de paraíso turístico cearense.
Moradores que realizaram os primeiros protestos sobre o acordo que deve passar áreas da Vila de Jericoacoara para uma empresária que reivindica posse de terrenos na região, se mobilizam para questionar o processo. O Conselho Comunitário de Jericoacoara recebeu um período de 20 dias para apresentar novas informações sobre o caso, o que deve acontecer no início de novembro.
O acordo extrajudicial entre a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) e Iracema Correia São Tiago foi firmado, mas ainda não foi implementado. O detalhamento sobre os terrenos a serem desmembrados da vila estava em fase de estudos quando moradores e empresários da região começaram a protestar.
A primeira mobilização foi no dia 13 de outubro, com uma manifestação na Praia de Jericoacoara. No dia 14 de outubro, o Conselho se reuniu com a PGE-CE e recebeu um prazo de 20 dias para apresentar novas informações sobre o caso a serem anexadas ao processo.
Em posse de documentos do acordo extrajudicial e de outros processos anteriores envolvendo as terras reivindicadas por Iracema Correia, o grupo aponta inconsistências e questiona o acordo.
Incerteza sobre documentos
Iracema Correia São Tiago afirma que a vila fica quase toda dentro de uma de duas imensas áreas reivindicadas por ela. A mulher diz que, em 1983, seu então marido, José Maria de Morais Machado, adquiriu três terrenos na região. Estes terrenos deram origem à fazenda Junco I.
Dos 88,2 hectares que correspondem à atual Vila de Jericoacoara, 73,5 (ou 83% do total) estariam na fazenda Junco I.
Com o auxílio de advogados, o Conselho Comunitário de Jericoacoara não descarta que os documentos não sejam válidos. Isso levando em conta que o processo de regulação fundiária da Vila aconteceu há mais de 25 anos sem que nenhum proprietário tenha reclamado a posse da terra.
“Os documentos geram muitas dúvidas porque são antigos, de uma época onde medidas de fazenda eram realizadas em braças e não havia precisão topográfica. Os representantes da comunidade pretendem fazer uma análise independente nos documentos da terra”, explica o Conselho, em nota divulgada em nome da comunidade.
O grupo se baseia também em documentos extraídos de ações de desapropriação indireta movidas por Iracema Correia contra a União e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Estes processos tramitam no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) e dizem respeito a pedidos de indenização pelas áreas que se sobrepõe ao Parque Nacional de Jericoacoara.
Nestes documentos, que pertencem a processos diferentes, o ICMBio apresenta notas técnicas em que recomenda análises criteriosas por conta de “possíveis problemas na documentação”.
Para o Conselho, estes processos podem trazer novas informações ao caso, inclusive com a possibilidade de que os documentos sobre as posses dos imóveis sejam considerados inválidos.
Indenização como possibilidade
Outro ponto trazido pelos moradores é uma crítica direta à postura dos órgãos do Governo do Estado diante da reivindicação de áreas dentro da Vila de Jericoacoara. Segundo o Conselho, a estratégia do Idace e da PGE-CE não leva em conta os eventuais danos ambientais e à indústria do turismo.
Desta forma, o grupo aponta que o acordo foi conduzido sem discussão que tenha envolvido a comunidade local, o Ministério Público, os órgãos ambientais, além das entidades e dos órgãos do setor do turismo.
“O governo não é obrigado a fazer este acordo e pode lutar na Justiça contra este particular e, mesmo que seja derrotado, o que achamos improvável, tem a opção de indenizar o eventual direito. Nós, moradores, achamos muito estranho que o Governo esteja sendo tão passivo e generoso neste momento, cedendo em um acordo administrativo em seus gabinetes, em vez de lutar pelo patrimônio de todos os cearenses”, complementou o Conselho, em nota.
Os moradores acrescentam, ainda, que o estado deveria optar pela judicialização do caso. Mesmo na hipótese de veracidade dos documentos, o Conselho considera que seria mais vantajoso indenizar a empresária em vez de transferir terras na Vila, devido à importância do destino para a economia do Ceará.
O que diz a empresária
Por meio de advogados, Iracema Correia São Tiago disse que “não tem interesse em interferir na rotina da Vila e que o acordo formalizado com o Governo do Ceará, através da Procuradoria Geral do Estado (PGE), prevê, inclusive, a renúncia às áreas que, mesmo dentro da sua propriedade, estão ocupadas, de forma a manter as moradias e empreendimentos já consolidados.”
Os advogados também dizem que Iracema só reivindicou o terreno 40 anos depois da aquisição porque não sabia que o estado havia feito o processo de arrecadação na região da Vila de Jericoacoara. Arrecadação quer dizer que a vila foi incorporada ao patrimônio público, uma vez que não havia sido localizado um proprietário com escritura pública.
“A proprietária, buscando uma conciliação, deu entrada em um processo no Idace, propondo receber as áreas remanescentes e renunciar às demais áreas (…) Além disso, por meio do acordo firmado, várias áreas foram asseguradas ao Poder Público e em favor do bem-estar da comunidade”, pontuou a defesa.