O Descaso com Lazer e Cultura no Município de Sobral:
Uma Brecha para a Alienação Social e a Despersonalização da Identidade Regional
Sobral, uma cidade historicamente reconhecida pelo seu potencial cultural e intelectual, enfrenta uma séria crise em suas políticas de cultura e lazer. Esse descaso é resultado direto de uma má gestão pública, cuja prioridade parece estar cada vez mais distante das necessidades de seu povo, aliada a uma cultura de consumo que, alimentada por uma elite desinteressada, promove a despersonalização da cidade.
Em Sobral, há uma preocupação crescente em relação à preservação do patrimônio histórico e cultural, especialmente na área do centro histórico, que conta com diversas edificações tombadas pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Apesar dos esforços de revitalização, alguns imóveis continuam desocupados ou em estado de abandono, apesar de constarem como ativos no caixa municipal. Esses imóveis, geralmente vinculados ao centro histórico, muitas vezes enfrentam desafios de manutenção por parte dos proprietários, que alegam dificuldades financeiras para realizar as reformas exigidas, mesmo que constem no caixa municipal. Há até convênios com o Banco do Nordeste para facilitar a recuperação desses prédios, mas muitos proprietários desistem devido à suposta complexidade dos projetos.
Além disso, a situação de alguns parques de Sobral, como o Parque Mucambinho e o Parque da Cidade, reflete o abandono completo da administração pública no que deveria ser um dos aspectos mais básicos da dignidade humana: o acesso ao lazer. Estes espaços, que teoricamente serviriam de refúgio e descanso para as famílias da cidade, tornaram-se verdadeiros pontos de degradação, com esgoto a céu aberto e lixo acumulado, cenário que contribui para a proliferação de doenças. A presença de animais doentes, especialmente gatos, evidencia o descaso do poder público e a falta de políticas sanitárias adequadas. Relatos de publicações anteriores do portal “Sobral Online” reforçam que esses parques, em vez de oferecerem lazer, transformaram-se em áreas insalubres, onde a população, especialmente a mais carente, é exposta a riscos de saúde. Esse abandono se soma a um contexto de alienação e desvalorização da qualidade de vida, promovido por uma classe política que, alheia à realidade dos cidadãos, impõe uma rotina de trabalho exaustiva, enquanto ignora e deteriora os poucos espaços públicos de lazer. Sem condições financeiras para frequentar clubes privados, fazer viagens ou acessar praias próximas, grande parte da população, que ainda depende de benefícios governamentais para sobreviver, vê nesses parques a única opção de lazer – uma opção que é sufocada pelo descompromisso e pela indiferença de uma elite política completamente desconectada das necessidades reais do povo que deveria representar.
A inatividade dessas instituições revela não apenas a falta de compromisso com a preservação e promoção local, mas também uma tendência de abandono generalizado das expressões artísticas e urbanas que dão voz à identidade regional.
O resultado desse descaso é o enfraquecimento da produção cultural local e a invisibilização da identidade e arte sobralense, que lutam para encontrar espaço e visibilidade. Sem o apoio das autoridades, essas expressões acabam sendo soterradas por uma cultura de consumo que, alimentada por uma elite desinteressada, promove a despersonalização da cidade. Celso Furtado, em “Formação Econômica do Brasil”, já nos alertava sobre o impacto devastador da alienação cultural promovida pelo capitalismo: a concentração do poder econômico nas mãos de poucos não só agrava as desigualdades sociais, como cria um vácuo na produção cultural popular, substituída por produtos importados que nada têm a ver com as raízes locais.
Essa elite, muitas vezes, enriquece às custas da população mais pobre, como se pode observar na dinâmica de mercado da cidade. Sobral, apesar de ser um grande polo universitário, se tornou um palco para profissionais que “mineram” o dinheiro popular em seus escritórios e clínicas durante a semana, mas fogem para a capital, para outros estados, ou até mesmo para destinos internacionais nos fins de semana, sem consumir ou valorizar a cultura local. O que se vê é uma preferência por restaurantes caros, boutiques e “gourmeterias” que importam uma cultura exterior, desvalorizando ainda mais a produção regional já fragilizada. Trata-se de um fenômeno onde a alienação e a elitização são tratadas como entraves ao desenvolvimento social e cultural das classes trabalhadoras.
Além disso, o lazer em Sobral, outrora vibrante, está sendo corroído também pelo elitismo. Clubes como a AABB, que antes ofereciam esporte, lazer e até empregos, hoje são inacessíveis e esquecidos, até por seus associados. Um ex-presidente da AABB chegou a afirmar para à coluna que “A AABB deixou de servir ao povo e seus associados para apenas vender pulseiras”, uma crítica que ressoa com força entre aqueles que enxergam na exclusão do lazer uma forma de estratificação social. O lazer, que deveria ser um direito democrático, passou a ser medido pelo que se pode pagar, alimentando uma cultura de status neoliberal, onde o consumo ostentatório se sobrepõe à qualidade ou à acessibilidade. Como bem aponta Maria da Conceição Tavares, a busca incessante por status e consumo em detrimento do coletivo não apenas fragiliza a economia local, mas também destrói os laços sociais que sustentam uma sociedade coesa.
Essa mesma lógica de exclusão é refletida na falta de incentivos ao turismo, que poderia ser uma poderosa ferramenta de desenvolvimento econômico e cultural. Sobral possui um enorme potencial turístico, tanto pelo seu patrimônio histórico quanto pela riqueza cultural que, infelizmente, é ignorada pelas autoridades. O Beco do Cotovelo, importante parte do Centro Cultural da cidade e Patrimônio Histórico, que já foi palco de movimentações intelectuais e críticas sociais, hoje se encontra praticamente taciturno em sua atividade. Alguns de seus antigos frequentadores, estão inativos, ausentes, enquanto para o restante são preferidos os Cafés do Meireles, ou qualquer outro “instagramável” ou que ofereça carestias importadas e “diferenciadas”. Enquanto isso, a população, especialmente os mais pobres, enfrenta um bloqueio estrutural em sua participação na sociedade. Esse abandono de espaços públicos de convivência e expressão crítica reforça o sentimento de alienação, uma vez que as pessoas não se veem representadas nas políticas culturais do município. O resultado é um povo que, como sugere a Escola de Frankfurt, é ensinado a ser incapaz de reivindicar seus direitos e se afastar da ideia de cidadania local.
Sobral vive, portanto, uma exponencial contradição interna. Por um lado, há uma elite que prega um discurso ufanista e parnasiano de “como nossa cidade é um polo universitário, que respira cultura, arte e intelecto”, mas, que, despreza a cidade quando, além de mal viver a realidade popular da mesma, foge dela, ou envia seus filhos para estudar na capital ou em outros estados, mesmo que Sobral, “supostamente”, conte com universidades de renome e faculdades altamente qualificadas. É incoerente querer valorizar a cultura mas viver do consumo de cultura importada, ao invés de fortalecer a própria. Esse comportamento reflete um desejo de diferenciação social, onde o simples fato de pertencer ao que é “local” é visto como um sinal de inferioridade. A novidade, quando popularizada, é rapidamente abandonada por essa elite, que busca, incessantemente, novos símbolos de status.
Se a cidade continuar nesse caminho de alienação e desvalorização de sua própria cultura, o futuro de Sobral será de necrose da identidade regional, com a completa despersonalização de seu povo. É urgente que se mude essa cultura de elitismo e exclusão para que haja uma verdadeira democratização da cultura e do lazer, essenciais para o desenvolvimento econômico e social, além do crescimento da pesquisa e iniciação científica, do turismo e de produções locais em diversos setores, promovendo, dessa forma, a cidadania de forma efetiva e coerente.