Proibição da cannabis no Brasil reforça estigmas e limita acesso terapêutico
A ausência de regulamentação efetiva coloca iniciativas em uma zona cinzenta jurídica
A falta de regulamentação da cannabis no Brasil, definida como uma “omissão dolosa” pelo advogado Cristiano Maronna, segue alimentando um cenário de estigmas e desafios legais para pacientes e associações que buscam acesso à planta para fins terapêuticos. Durante a ExpoCannabis, encerrada neste domingo (17) em São Paulo, Maronna destacou que, embora a legislação brasileira permita o cultivo para fins medicinais e científicos, a ausência de regulamentação efetiva coloca iniciativas em uma zona cinzenta jurídica.
Segundo o advogado, que também é ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), essa lacuna legal tem criminalizado associações e indivíduos que recorrem ao cultivo para atender pacientes. “Como a maconha sempre foi considerada uma droga ilícita, o estigma de criminoso está associado à planta”, afirmou.
Essa indefinição afeta diretamente instituições como o Instituto CuraPro, que possui uma estufa de cannabis parada enquanto aguarda autorização oficial. O farmacêutico clínico Deusdete de Almeida relatou que a organização tem recorrido a habeas corpus de pacientes para operar dentro da legalidade, mas isso não resolve o entrave regulatório. “Estamos brigando para cultivar e atender mais pacientes. Já tivemos algumas safras, mas estamos aguardando autorização para continuar”, explicou.
Almeida compartilhou o caso de seu sobrinho, que apresentou melhorias significativas no quadro de autismo e TDAH após um ano de tratamento com cannabis. “Até os seis anos, ele não falava e era muito agitado. Hoje, ele interage melhor, fala e até pede para ir à escola, algo antes inimaginável”, contou.
O proibicionismo, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2023 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodoc), empurra pacientes para mercados ilegais, expondo-os a riscos adicionais e comprometendo a pesquisa e o desenvolvimento de medicamentos.
Com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) incluiu o novo parâmetro — limite de 40 gramas ou seis pés de cannabis — no Mutirão Processual Penal de 2024, previsto para novembro.
Atualmente, 205.159 pessoas estão presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas no Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen). Desse total, mais de 173 mil foram enquadradas por tráfico, evidenciando o impacto do proibicionismo sobre a população carcerária.
Enquanto isso, o debate sobre uma transição de um modelo repressivo para um regulatório segue atrasado no país, deixando milhares de pacientes e associações em um limbo jurídico e dificultando o acesso a tratamentos que podem transformar vidas.