Desafios e avanços na implementação da história afro-brasileira nas escolas
A urgência de enfrentar o racismo estrutural nas escolas é destacada pelos relatos de educadores
Há mais de vinte anos, a Lei 10.639/2003 estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas brasileiras. Entretanto, duas décadas depois, a aplicação dessa legislação ainda enfrenta barreiras significativas. Enquanto metade das escolas desenvolveu projetos relacionados às relações étnico-raciais entre 2019 e 2021, apenas 0,92% dos professores possuem formação adequada sobre o tema. Além disso, menos de 15% dos gestores escolares relatam ter acesso a materiais pedagógicos apropriados.
A secretária de Educação Continuada, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (MEC), Zara Figueiredo, aponta a falta de coordenação entre as diferentes redes de ensino como um dos maiores entraves. A dimensão continental do Brasil e suas desigualdades regionais agravam o desafio de implementar políticas consistentes e abrangentes. No entanto, há um esforço renovado para mudar esse cenário com a recém-lançada Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-raciais e Educação Escolar Quilombola.
Entre as ações já implementadas pelo MEC em 2023 estão 215 mil vagas de formação para professores e o envio de livros com conteúdos antirracistas para diversas redes de ensino. Segundo Figueiredo, essas medidas buscam dar o suporte necessário para que escolas promovam uma educação que reconheça e valorize a história e a cultura afro-brasileira de maneira transversal no currículo escolar.
A urgência de enfrentar o racismo estrutural nas escolas é destacada pelos relatos de educadoras como Gina Vieira, Keila Vila Flor e Paula Janaína. Elas compartilharam experiências de discriminação vividas na infância, reforçando o impacto duradouro do racismo no ambiente escolar. Esses episódios vão desde castigos desproporcionais até segregação implícita em salas de aula.
Apesar dos desafios, há iniciativas que apontam caminhos promissores. Em Brasília, o projeto Cresp@s & Cachead@s trabalha para recuperar a autoestima de estudantes negros, enquanto a escola Maria Felipa, em Salvador, adota um modelo pedagógico que equilibra o ensino das culturas africana, indígena e europeia em igualdade. Para a idealizadora Bárbara Carine, é essencial incorporar a contribuição africana em disciplinas como matemática e ciências, rompendo com uma visão eurocêntrica do conhecimento.
O escritor Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti, também reforça a importância de discutir o racismo nas escolas. Para ele, a educação deve transcender as disciplinas tradicionais e se tornar um espaço de responsabilidade ética e social. “Não há democracia enquanto houver racismo”, afirma.
Embora o caminho para a plena implementação da Lei 10.639/2003 ainda seja longo, iniciativas locais e nacionais demonstram que avanços são possíveis. A mudança exige esforço coletivo, mas o impacto de uma educação antirracista transcende as salas de aula, contribuindo para uma sociedade mais justa e inclusiva.