Pelo 17º ano consecutivo, o Brasil permanece no topo do ranking mundial de assassinatos de pessoas trans, com 105 mortes registradas em 2024. Apesar de representar uma queda de 14 casos em relação ao ano anterior, os números ainda refletem uma realidade de violência persistente. A informação é do dossiê da Rede Trans Brasil, que será lançado oficialmente no próximo dia 29.
A maior parte dos homicídios ocorreu na Região Nordeste, responsável por 38% dos casos, seguida pelas regiões Sudeste (33%), Centro-Oeste (12,6%), Norte (9,7%) e Sul (4,9%). Entre os estados, São Paulo liderou com 17 mortes, seguido por Minas Gerais (10) e Ceará (9).
Isabella Santorinne, secretária adjunta de Comunicação da Rede Trans Brasil, destacou que a diminuição dos números não deve ser interpretada como um avanço significativo. “Embora haja uma leve queda, ainda estamos muito longe de proporcionar segurança e dignidade às pessoas trans. A violência e o preconceito continuam sendo uma realidade cotidiana”, afirmou.
A América Latina e o Caribe concentraram 70% dos assassinatos globais de pessoas trans no período analisado, com o Brasil superando de longe os demais países. O México, segundo no ranking, registrou 71 mortes, enquanto a Colômbia teve 25 casos.
O perfil das vítimas no Brasil revela padrões alarmantes: 93,3% eram mulheres trans ou travestis, 36,8% tinham entre 26 e 35 anos, e a maioria era parda (36,5%) ou preta (26%). Um dado que chama atenção é que muitas vítimas trabalhavam como profissionais do sexo, sendo alvos de violência nas ruas, locais onde atuavam.
Além disso, 66% dos casos ainda estavam em investigação, e apenas 34% tinham suspeitos presos. Entre os registros detalhados, os agressores incluíam companheiros, ex-companheiros, clientes e criminosos ligados a dívidas ou organizações ilícitas.
A violência não se limita aos números absolutos. Santorinne enfatiza o paradoxo vivido pela população trans no Brasil, um país que lidera o consumo de pornografia trans, mas também se destaca pela brutalidade contra esses corpos. “É contraditório: o desejo e o ódio convivem lado a lado. Essa realidade reflete uma sociedade que ainda não aprendeu a respeitar nossa existência”, afirmou.
O dossiê também apontou avanços em termos de respeito aos nomes sociais das vítimas, com 93,3% dos casos tratados adequadamente pela imprensa, em contraste com os 6,7% que insistiram em usar o chamado nome morto.
Santorinne defende que o levantamento não apenas expõe a gravidade da violência, mas também pode contribuir para a formulação de políticas públicas. “Precisamos de ações efetivas em educação, saúde, segurança e empregabilidade para pessoas trans. Sem essas medidas, a luta pela dignidade e pela vida continua sendo diária e exaustiva”, declarou.
Os dados do dossiê reforçam a urgência de políticas inclusivas e a necessidade de enfrentamento da transfobia, não apenas para diminuir os números de violência, mas também para garantir o direito básico à existência digna e segura.