Sputnik V vira fetiche dos governadores
O ministro Ricardo Lewandowsky, aquele que rasgou a Constituição para manter intactos os direitos políticos de Dilma Rousseff, durante o impedimento dela, agora se arvora em autoridade sanitária. O juiz deu prazo para que a Anvisa aprove a compra da vacina russa Sputnik V por governadores. A autarquia alega falta de documentos para comprovar qualidade, segurança e eficácia do imunizante. O juiz que ministrou a pajelança do impeachment, mais uma vez, passa por cima da ciência.
Há duas decisões do Supremo, fundamentada em leis recentes, que autorizam a compra de vacinas por estados, desde que haja falha no Plano Nacional de Imunização, o que até agora não aconteceu. Vacinas estocadas para reserva técnica (o Ceará tem mais de 400 mil doses) comprovam que não há falta de vacina, pelo menos, por enquanto. Neste momento, há falhas dos governos que estão deixando de aplicar todas as vacinas enviadas pelo governo federal.
Em casos excepcionais, é autorizada a importação por estados e municípios, desde que o imunizante já tenha sido aprovado por alguma autoridade estrangeira. Mas ainda dependeria da análise da Anvisa. No entanto, o relatório da vacina russa não está aberto ao público, como as demais vacinas aprovadas em outros órgãos. Por isso, a Anvisa, solicitou mais dados e este relatório, mas até agora não obteve resposta. Em vez de pressionar o laboratório, os governadores usam o STF para passar por cima dos protocolos estabelecidos em Lei.
Esses governadores, que se dizem defensores da ciência, até para se contrapor ao que dizem do presidente, rapidamente se esquecem dos princípios científicos. De repente, o zelo da Anvisa, que segue os protocolos, é tachado de entrave burocrático. Não seria mais simples exigir do vendedor o certificado de qualidade do seu produto? E, afinal, porque essa sanha em comprar a Sputnik?
Fiquei curioso e pesquisei sobre a vacina. Ela é, sim, aplicada em vários países, mas ainda não tem o aval da União Europeia, pelos mesmos motivos expostos pela Anvisa. Vários países mostraram interesse pelo imunizante russo, mas condicionam a compra à comprovação dos resultados. Aprovada às pressas, em agosto do ano passado. Até agora, oito meses, depois, os estudos ainda não foram divulgados.
Na própria Rússia, a vacina está longe de ser sucesso. Pesquisas apontam que mais de 60% não querem se vacinar, apesar do esforço midiático do presidente Putin, que se empenhou pessoalmente pelo imunizante, com uma grande campanha de vacinação. Em cada espaço de concentração pública, como shopping, praça, é possível se vacinar. Mesmo assim, é pífio o desempenho. Para os que criticam o Brasil, a Rússia está muito atrás, sob qualquer parâmetro.
Com uma população de 145 milhões, e fabricante de três imunizantes, a Rússia começou a vacinar em dezembro, o Brasil só começaria na segunda quinzena de janeiro. Mesmo assim, o Brasil já aplicou cerca de 34 milhões de doses, enquanto na Rússia foi menos da metade, 16 milhões. Nos últimos sete dias, em doses por 100 habitantes, a média brasileira é de 0,42. Na Rússia: 0,19. Já no percentual da população, o Brasil já vacinou 12% da população, contra 7% dos russos.
Sputnik 5, muitos confundem o número romano com a consoante, é uma referência ao primeiro satélite que entrou em órbita, em 1957, um feito tecnológico dos russos na eterna disputa com os americanos durante a guerra fria. Querem lembrar que também chegaram primeiro no espaço das vacinas. Com dois adenovírus diferentes como vetor, uma para a primeira dose, outro para a segunda, parece muito eficaz a vacina russa. Pena que, ao contrário do satélite, essa eficácia ainda não foi devidamente comprovada.
E os governadores, que esbravejam contra Bolsonaro por defender tratamento precoce com drogas sem a eficácia comprovada, querem aplicação imediata de uma vacina também não devidamente testada. Até parece que estão no mundo da lua, o que me lembra a voz de Zé Ramalho: “Eu vou pra lua, eu vou morar lá. Vou no meu Sputnik, do campo do Jiquiá. Já estou enjoada aqui da terra…”.
É, isso tudo dá mesmo para enjoar, para enojar.