A maioria das empresas no Brasil ainda está despreparada para receber trabalhadores com deficiência ou neurodivergentes. Esse é o resultado da pesquisa “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência”, realizada pelo Pacto Global da ONU, Talento Incluir, Instituto Locomotiva e iO Diversidade. O levantamento mostrou que oito em cada dez profissionais desses grupos percebem dificuldades estruturais e culturais no ambiente corporativo.
O estudo entrevistou 1.230 pessoas entre outubro e novembro de 2024 e revelou que 71% preferem trabalhar em modelo remoto ou híbrido, um percentual superior aos 58% que já atuam dessa maneira. Essa preferência está relacionada à falta de adaptação dos espaços físicos e das ferramentas de trabalho. Para muitos, a estrutura de casa é mais adequada, oferecendo mobiliário e softwares que facilitam a execução das tarefas diárias.
A falta de acessibilidade em empresas é um obstáculo recorrente. Um relato viralizou recentemente na rede social X: um advogado cadeirante foi aprovado para uma vaga, mas dispensado quando a empresa percebeu que sua cadeira de rodas não passava pela porta do banheiro. Casos como esse ilustram a realidade apontada na pesquisa, em que um terço dos entrevistados afirma que o ambiente de trabalho não é adaptado às suas necessidades.
Outro ponto destacado é que quase todos os entrevistados se declaram como pessoas com deficiência ou neurodivergentes nos processos seletivos. No entanto, há quem evite revelar sua condição, seja por medo de perder a vaga, seja por não reconhecer suas próprias limitações ou por falta de diagnóstico formal. Entre as neurodivergências identificadas estão transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno do espectro autista (TEA), transtorno afetivo bipolar e altas habilidades.
A presença de programas de inclusão e acessibilidade nas empresas é determinante para um quarto dos participantes da pesquisa. No momento da busca por emprego, 47% optariam por vagas exclusivas para pessoas com deficiência ou neurodivergentes, enquanto 49% concorreriam a qualquer oportunidade.
Apesar da Lei de Cotas, vigente desde 1991, especialistas avaliam que os avanços na inclusão ainda são limitados. A diretora Lia Calder, da empresa 4CO, aponta que muitas companhias preferem enfrentar a possibilidade de processos judiciais por não cumprirem a legislação em vez de promoverem a adaptação necessária. Segundo ela, as pessoas com deficiência são, em sua maioria, contratadas para cargos de base e dificilmente têm oportunidades de crescimento dentro das organizações.
Essa realidade contraria compromissos assumidos pelo Brasil em 2008, quando a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi incorporada à Constituição Federal. Calder destaca que a falta de acessibilidade e o preconceito estão tão enraizados na cultura empresarial que muitos ambientes são naturalmente excludentes, sem que isso seja questionado ou transformado.
Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçam essa desigualdade. Apenas 26,6% das pessoas com deficiência estão empregadas, contra 60,7% das pessoas sem deficiência. Além disso, 55% dos trabalhadores com deficiência estão na informalidade e recebem, em média, 30% a menos do que seus colegas sem limitações. Esses números refletem a necessidade urgente de um comprometimento real das empresas com a inclusão, garantindo que a diversidade seja efetivamente valorizada no mercado de trabalho.