Uma iniciativa científica de ponta vem conectando a Amazônia ao maior acelerador de partículas da América do Sul para desvendar o potencial de microrganismos na criação de novos medicamentos. Pesquisadores transportam amostras de solo de Belém (PA) para o Sirius, em Campinas (SP), a fim de analisar os genes de bactérias e compreender suas capacidades na produção de substâncias com potencial antibacteriano e antitumoral.
A pesquisa é fruto de uma parceria entre o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e a Universidade Federal do Pará (UFPA). O estudo teve início com a coleta de amostras no Parque Estadual do Utinga, uma área de conservação, onde foram isoladas bactérias dos gêneros Streptomyces, Rhodococcus e Brevibacillus. Utilizando tecnologia de sequenciamento genômico avançada, a equipe analisou os genes desses microrganismos, descobrindo que metade das moléculas resultantes dessas combinações era desconhecida pela ciência.
As substâncias identificadas possuem grande potencial farmacêutico, como explica a pesquisadora Daniela Trivella, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio). De acordo com ela, mais de dois terços dos medicamentos do mundo derivam de metabólitos secundários, pequenos compostos naturais gerados por organismos vivos. Com a estrutura do CNPEM e do LNBio, os pesquisadores conseguiram sintetizar essas moléculas em laboratório, permitindo testes em larga escala e impulsionando a descoberta de novos fármacos.
A pesquisa também reforça a importância da biodiversidade amazônica para a ciência. Segundo Rafael Baraúna, coordenador do trabalho pela UFPA, a rica diversidade de microrganismos do bioma oferece um vasto campo de estudo e desenvolvimento. A partir desse conhecimento, os cientistas aplicam técnicas de metabologenômica para inserir os genes de interesse em bactérias domesticadas, criando uma rota biotecnológica para a produção de novos medicamentos.
Os avanços dessa pesquisa chegam em um momento crítico para a Amazônia, que registrou o maior número de queimadas dos últimos 17 anos em 2024. Em resposta, investimentos na ordem de R$ 500 milhões foram anunciados para pesquisas na região, com o objetivo de alavancar seu valor econômico sustentável. A equipe pretende expandir suas coletas para a Amazônia oriental, aprofundando a investigação sobre novas moléculas e reforçando a relevância da conservação desse ecossistema para a ciência e a saúde global.
Essa iniciativa se insere em um contexto maior de criação de um centro de pesquisa multiusuário na UFPA, com apoio do CNPEM e do projeto Iwasa’i, parte da chamada CNPq/MCTI/FNDCT para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. O objetivo é consolidar a região como polo de inovação científica, explorando seu potencial de forma sustentável e contribuindo para o futuro da medicina.