O Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) pelo desaparecimento do trabalhador rural Almir Muniz da Silva, ocorrido em 29 de junho de 2002. Silva, membro da Associação de Trabalhadores Rurais de Itabaiana (PB), foi visto pela última vez quando voltava para casa dirigindo um trator. Testemunhas relataram ter ouvido tiros na região por onde ele passava. Dias depois, o veículo foi encontrado em Itambé (PE), a cerca de 30 quilômetros do local.
De acordo com a sentença divulgada nesta terça-feira (11), o Brasil falhou tanto na busca por Silva quanto na condução da investigação do caso, permitindo que os direitos fundamentais do trabalhador e de seus familiares fossem violados. A decisão foi tomada durante sessão da Corte IDH, responsável por aplicar e interpretar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
A denúncia contra o Estado brasileiro foi apresentada pelas organizações Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dignitatis e Justiça Global. Segundo os juízes, o desaparecimento ocorreu em um contexto de atuação de milícias e grupos armados na Paraíba, que contavam com a participação de policiais e militares. Silva já havia denunciado ameaças de um policial civil, apontado como responsável por atos de violência contra trabalhadores rurais na região.
Entre 2003 e 2005, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados investigou milícias e grupos de extermínio no Nordeste. O relatório final, publicado um ano e quatro meses após o desaparecimento de Silva, indicava que ele fazia parte de uma lista de dez pessoas marcadas para morrer.
A condenação da Corte IDH impõe ao Brasil diversas medidas de reparação. O país deverá continuar as investigações e buscas por Silva, além de realizar um ato público reconhecendo sua responsabilidade e pedindo desculpas formais aos familiares do trabalhador rural. O Estado também deverá aperfeiçoar leis nacionais, tipificando o crime de desaparecimento forçado, e criar um protocolo para busca de desaparecidos e investigação desses casos. Além disso, o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos será revisado e fortalecido, e um diagnóstico sobre defensores de direitos humanos em conflitos agrários deverá ser elaborado.
O próprio Estado brasileiro já havia admitido que o desaparecimento de Silva envolvia violação de direitos fundamentais. Em agosto de 2023, na defesa apresentada à Corte IDH, reconheceu que os órgãos responsáveis não atuaram com a devida diligência devido à falta de recursos materiais e humanos. Durante audiência em fevereiro de 2024, representantes da Advocacia-Geral da União (AGU) reforçaram esse reconhecimento, afirmando que a ausência de uma investigação suficiente gerou sofrimento para os familiares de Silva.
“A perda de um ente querido, somada à impunidade resultante de um processo de investigação insuficiente, constitui inelutável violação da integridade psíquica e moral dos familiares”, declararam os representantes brasileiros, pedindo desculpas públicas aos parentes de Silva.
Para a Justiça Global, a decisão da Corte IDH evidencia que o Brasil falhou na proteção de Silva, nas investigações do caso e na punição dos responsáveis. A condenação reforça a necessidade de medidas concretas para garantir a segurança e os direitos dos trabalhadores rurais e defensores de direitos humanos no país.