Crise econômica faz endividamento dos mais pobres bater recorde
Em abril, 22,3% dos brasileiros com renda de até R$ 2.100 estavam se endividando, aponta um levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas.
Com a redução do valor do Auxílio Emergencial e o mercado de trabalho afetado pela pandemia de coronavírus, o endividamento dos brasileiros mais pobres deu um salto e voltou a patamar recorde.
Em abril, 22,3% da população com renda de até R$ 2.100 se dizia endividada, segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Esse mesmo patamar de endividamento para a classe mais baixa só foi observado em junho de 2016, quando o Brasil enfrentava uma combinação de crise política e econômica por causa do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. A série histórica do levantamento do Ibre começa em maio de 2009.
Nos últimos meses, o endividamento cresceu para todas as faixas de renda, mas o quadro tem sido dramático para os mais pobres porque a capacidade desse grupo de construir uma poupança precaucional – recursos destinados para algum imprevisto – é bem menor.
“Na verdade, não é nem uma poupança. É guardar um dinheiro este mês para poder pagar as suas contas no mês que vem e ter um pouco mais de tranquilidade”, diz Viviane Seda, pesquisadora do Ibre.
Numa análise mais detalhada por faixa de renda, apenas 3,9% dos brasileiros com ganho superior a R$ 9.600 afirmam estar se endividando.
O aumento do endividamento marca uma importante mudança de trajetória. No ano passado, com as parcelas de R$ 600 do Auxílio Emergencial, muitas famílias conseguiram ter o mínimo para sobreviver durante a pandemia e até puderam equilibrar o seu orçamento doméstico.
“A capacidade das famílias de baixa renda de construir uma poupança foi se esgotando conforme houve uma interrupção de vários programas do governo”, afirma Viviane.
Para a maioria da população, o governo pagou a primeira rodada do auxílio emergencial até dezembro do ano passado. O benefício voltou em abril deste ano, mas num formato bem mais enxuto. Em 2020, o auxílio custou quase R$ 300 bilhões. Neste ano, está orçado em R$ 44 bilhões.
A fraqueza da atividade econômica e, consequentemente do mercado de trabalho, deve fazer com que o orçamento das famílias ainda continue bastante fragilizado.
Os últimos dados mostram a taxa de desocupação do país em 14,4%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o maior patamar já registrado. São 14,4 milhões de desempregados.
“No ano passado, a renda do emprego foi compensada pelo Auxílio Emergencial, mas este ano deve ser apenas parcialmente compensada”, afirma Luiz Rabi, economista da Serasa. “Isso gera um buraco no orçamento das famílias.”
De fevereiro para março, a Serasa computou mais de 1 milhão de inadimplentes no país, para 62,56 milhões de pessoas. Foi o segundo maior avanço mensal de toda a série histórica.
“Esse aumento de março foi um sinal de que a tendência de alta continua ao longo do ano”, afirma Rabi. “Nos primeiros seis meses deste ano, a inadimplência vai para cima.”
No recorte por setor, a inadimplência apurada pelo Serasa é maior nos gastos com cartão de crédito e em contas básicas, como água e luz.