Estupros em escolas de Sobral ganham repercussão
A matéria é do Diário do Nordeste, edição desta segunda-feira, que ganhou três páginas.
O menino tinha nove anos quando começou a apresentar dificuldade em controlar o esfíncter e passou a defecar na roupa. A situação piorou no primeiro semestre de 2019, mas só em julho a avó, responsável pela criança, descobriu a causa. A vítima contou que vinha sendo estuprada por um professor da escola, no bairro Sumaré, em Sobral.
Segundo o relato, com o pretexto de dar aulas de reforço, o professor pedia a ele para ficar mais tempo depois da aula. Dentro da sala, o crime acontecia. “Ele relatava que o professor praticava sexo com ele”, conta a avó. O menino ainda confessou que não dizia nada por medo, porque o agressor ameaçava que iria tirar a guarda do menino da avó e ainda portava arma de fogo.
Denunciado em agosto ao Conselho Tutelar, o caso é o 6º deste ano. Segundo levantamento do órgão, representa um crescimento significativo na comparação com anos anteriores: em 2017 foram dois registros; em 2018, um.
No mais recente episódio, a perícia realizada na criança não conseguiu confirmar a violência sexual. Segundo Sândalo Augusto, conselheiro tutelar que acompanha o caso, os peritos da Coordenadoria de Medicina Legal (Comel) explicaram que o resultado negativo pode ter interferência devido ao exame ter sido realizado cerca de dois meses depois do suposto crime. “No laudo pericial, o médico constatou que a criança teve um rompimento, mas não podia confirmar com certeza”, explicou Sândalo.
Segundo a Prefeitura de Sobral, o professor suspeito, servidor efetivo, foi afastado e passou por um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
“Ele cumpriu 60 dias de afastamento, mas apresentou laudo médico. Segundo ele, por estar sofrendo acusações indevidas, tem sofrido também um processo de depressão e solicitou, junto ao INSS, um afastamento pra tratamento de saúde”, explica Herbert Lima, secretário de Educação de Sobral. Na esfera criminal, o inquérito foi enviado à justiça com pedido de aumento de prazo, o que foi concedido.
A criança, hoje com 10 anos, veio a Fortaleza, este mês, para realização de um exame mais preciso e a família aguarda o resultado. Segundo Sândalo, não foi encontrada lesão física na região anal. O quadro aponta que a incontinência que o menino apresenta tem origem psicológica.
A criança está, atualmente, recebendo atendimento psicológico. A avó confirma que vem enfrentado dificuldades. “Tá sendo difícil. Eu ‘tô’ muito abatida, sinto muita pena do meu neto, sabe. Quero que tenha Justiça”, desabafa a idosa.
Em outubro de 2019, uma mãe denunciou que a filha de três anos foi estuprada dentro de uma creche municipal. As investigações levaram até o zelador, servidor efetivo, que aproveitou um momento de descuido em que a criança ficou sozinha no parquinho da escola para estuprá-la.
O servidor foi afastado e o inquérito já foi concluído pedindo o indiciamento. O Ministério Público está elaborando a denúncia com base no crime de estupro de vulnerável.
ASSÉDIO SEXUAL
Além desses dois casos de violência sexual que tratam de violência física, outros quatro registrados neste ano dizem respeito a assédio sexual de professores contra alunos. Em um deles, numa uma escola municipal, o professor começou a trocar mensagens de teor sexual com uma aluna de 12 anos.
De acordo com documentos obtidos pela reportagem, o docente enviou à adolescente vídeos pornográficos e a convidou para sair. Há registros de que, em um motel, “o professor tentou fazer sexo com a mesma, mas ela não permitiu. Eles trocaram beijos e abraços”.
O professor, que era temporário, foi demitido. Na esfera criminal, o homem foi denunciado pela Justiça por estupro de vulnerável. O processo aguarda designação de audiência de instrução e julgamento.
Em agosto, a direção de outra escola municipal, no distrito de Aprazível, zona rural de Sobral, identificou mais um possível aliciamento sexual dentro do prédio. Segundo a família, um professor assediava a aluna de 14 anos. O caso está sendo investigado pela Delegacia da Mulher. Como o professor tinha contrato temporário com o Município, foi demitido.
PROFESSORA
Outro caso aconteceu numa escola particular e também teve como vítima um adolescente de 14 anos. Desta vez, uma professora foi acusada de abuso sexual. Segundo Boletim de Ocorrência (B.O) registrado pela mãe da vítima, a professora levou o estudante para a casa dela onde a família acredita que possa ter acontecido o abuso. No documento, ela alega que fez isso “para conversar” porque “era muito próxima” dos estudantes. O caso só veio à tona porque a mãe do menino desconfiou do comportamento do filho e recebeu denúncias de amigos.
ESCOLA ESTADUAL
Na sequência de crimes sexuais, mais um foi registrado numa escola estadual de Sobral. A aluna, na época com 15 anos, conta que o professor trocava mensagens com ela via WhatsApp. No início, o diálogo tratava de conteúdos da escola. “Depois de um tempo, ele passou a fazer perguntas íntimas, se eu namorava, se eu era virgem”. Incomodada, ela parou de responder às mensagens.
Mas o professor continuou. “Ele mandou uma imagem de um casal em posição sexual. Em seguida, mandou uma foto em que ele estava nu”. Na imagem, que só mostra o rosto e parte do peito do professor, sem camisa, ele pergunta: “assim, banhado e cheiroso tá bom pra vc?” (sic).
O homem continuou a importunar a estudante em outra rede social, com mensagens de teor pornográfico. Depois, aproveitou uma situação em que estava só com a aluna para agarrá-la.
“Ele me agarrou, me puxou pela minha cintura, segurou meu cabelo, tentando me beijar. Eu consegui me soltar”.
Segundo ela, dois alunos viram a cena.
Apesar do assédio ter acontecido em 2017 e 2018, apenas este ano ela teve coragem de falar. Segundo a jovem, tinha medo de se prejudicar no curso que faz. A denúncia foi feita em abril. Mas o processo não foi fácil. A diretora da escola optou por reunir os dois.
“Ela fez uma acareação, minha e do professor, colocou a gente frente a frente”. Ela conta que o depoimento dela foi desacreditado e que ouviu da direção que até os prints que tirou das conversas podem ter sido forjados.
O inquérito policial foi concluído e enviado à Justiça. O professor, que é efetivo, foi afastado da escola, mas leciona em outro município. Para a aluna, a situação é revoltante, não só pelo assédio, mas pela falta de apoio. “Por eles não me defenderem, eu me vi sem recursos de recorrer”.
De acordo com a Secretaria de Educação do Estado, foi instaurado procedimento administrativo para apurar os fatos. Também existe uma comissão de sindicância que está avaliando não só o comportamento do professor, mas também a postura da direção.
ARQUIVAMENTOS
Enquanto em 2019 foram seis casos denunciados, em 2018, o Conselho Tutelar recebeu um. No bairro Santo Antônio, em Sobral, uma aluna de 13 anos denunciou que o professor a assediava com elogios e teria chegado a tocá-la. A mãe conta que “ele veio até ela e passou a mão nos seios dela, nas pernas dela sem o consentimento “.
A menina, que mudou de comportamento, só chegou a relatar o que vinha acontecendo depois de insistência da mãe. Foi aberto processo administrativo e instaurado um inquérito policial. Mas em dezembro de 2018, o Ministério Público pediu o arquivamento do caso por falta de provas.
Sem testemunhas do crime, danos físicos ou provas materiais, era a palavra de um contra o outro. Ainda assim, à época, o Município chegou a desligar o profissional, que não tinha vínculo efetivo.
O caso abalou a família. A mãe conta que a adolescente nunca se recuperou. “Ela era revoltada, chorando, ficou totalmente diferente, não era a filha que eu tinha antes. Ela era uma menina alegre, conversava. Ela procurou se isolar, ficar mais no quarto, depois andou se mutilando”, relata a mãe.
“Teve um dia que ela tomou medicamento, um vidro todo e passou mal. Eu comecei a chorar, ela desmaiou”, a menina foi levada a um posto de saúde e tratada. Hoje, ela recebe atendimento psicológico.Os filhos da gente saem de casa, a gente entrega eles aos professores, né? Porque, assim, eu, como mãe, jamais pensei que iria passar por isso.
Em 2017, outros dois casos de estupro também chegaram a ser denunciados ao Conselho Tutelar. Um envolvendo um menino com transtornos mentais que, segundo a família, teria sido vítima de estupro por parte de um professor, numa escola localizada no bairro Alto da Brasília. Por falta de provas, o caso também deve ser arquivado.
Em março de 2017, uma mãe denunciou que a filha de três anos havia sido estuprada numa creche no bairro Sinhá Sabóia. Após chegar em casa com sangramento vaginal, a criança foi levada ao Hospital Regional Norte.
O caso chegou a ser enviado à Justiça, com pedido de retorno para realização de novas diligências. Mas, dois anos depois, a investigação está parada na delegacia municipal.
REDE DE PROTEÇÃO
Para a coordenadora do Núcleo de Atendimento do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca), Marina Araújo, a situação é complexa. “Muitas violências sexuais cometidas contra crianças e adolescentes não deixam marcas, mas a gente sabe que os danos psicológicos, que são gerados a partir disso, podem ser identificados”, explica.
Para ela é fundamental apostar na escuta especializada porque “a gente vive numa sociedade que prioriza a fala do adulto”. Também explica que “as escolas não são, hoje, um órgão que tem por fim apurar se houve ou não um ato criminoso”. Da mesma forma, não se pode omitir. “O papel da escola é criar essa notificação do fato e proceder o encaminhamento à delegacia”.
Para o promotor da Infância e Juventude do município, Plínio Pereira, o crescimento no número de casos pode ter relação com o incentivo às denúncias. “O incremento é muito mais voltado não ao aumento significativo desses fatos, que certamente já aconteciam, mas sim da percepção e da coragem de levar isso para os órgãos de persecução criminal”.
O secretário de educação do município, Herbert Lima afirma que “esses casos são absolutamente intoleráveis, repugnantes”. Segundo ele, são seguidos protocolos rígidos de contratação e os profissionais passam por acompanhamento médico e psicológico.
Ainda assim, diante do cenário, o secretário explica que o Município vem adotando estratégias, como a implantação de monitoramento eletrônico nas escolas. “Nós temos oito unidades escolares já com a instalação desse tipo de sistema que acompanha os espaços externos e internos das unidades escolares e a nossa meta é ampliar nos próximos meses”, explica Lima.
Outra estratégia é a contratação de psicólogos. Quinze profissionais já estão atuando e outros devem ser chamados em janeiro. “Sobral vai ser a primeira cidade do Brasil que vai ter um psicólogo em cada unidade escolar”, afirma.
Fonte Diário do Nordeste