Enfim, um decente
Nos tempos em que todos se apegam a mais tênue expectativa de poder, um desembargador dá exemplo de desapego e coragem. Qual Diógenes, com sua lanterna à procura de um honesto, encontramos, enfim, um homem decente. Num final de tarde de sexta-feira (19), a modorrenta sessão remota do TRE é sacudida pelas palavras de Sebastião Coelho da Silva. Ele se pronuncia contra os arroubos autoritários do ministro Alexandre de Moraes, agora presidente do TSE. Por discordar da atuação do togado do STF, que navega fora do curso constitucional, o desembargador corregedor do TRE do Distrito Federal pede aposentadoria. Enquanto não se aposenta, diz que vai seguir a Lei e não os discursos do ministro. Em outras, palavras, o discurso está em desacordo com a Lei.
DISCURSO – O corregedor disse que há algum tempo vem descontente com a atuação do STF. Certamente, sua maior contrariedade é com a postura do ministro Alexandre de Moraes, que acaba de assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, em cerimônia na qual o desembargador esteve presente. Imaginava que seria um discurso apaziguador, institucional, pois a investidura não era apenas da capa preta, mas da instituição da qual o desembargador faz parte há mais de 30 anos.
DE GUERRA – Em vez de aproveitar a plateia de escol, incluindo presidente dos três poderes, todos os ex-presidentes da República, o mundo político e judiciário, Alexandre de Moraes fez um discurso de guerra, nas palavras do desembargador. Estaria Alexandre emulando seu xará da Macedônia, o Grande? Fez discurso que inflama, criticando o presidente Bolsonaro, convidado seu que estava do seu lado, embora sem citá-lo.
ACONTECIMENTO – Como se estivesse ampliando seu império, que se estendia pelos diversos inquéritos, um deles do fim do mundo, agora acumula com a presidência do TSE. Em ano anterior, embora sem provas, afirmou que existia o crime de disparos de mensagem, e que não seria tolerado, ameaçando com cassação da candidatura e até a prisão de quem repetisse o feito nestas eleições. Mesmo sem provas? Para ele, é só um detalhe.
NEFASTO – Marco Aurélio também erguera sua voz. Foi o primeiro a identificar o autoritarismo em Moraes, com quem já trocara farpas. Chegou a chamá-lo neófito, xerife, e até ironizou, que temia ser preso por ele. Cunhou o inquérito do fim do mundo, que seria natimorto por não respeitar as regras legais. Quanto à posse, disse que participou de um acontecimento nefasto, diante da descortesia do anfitrião para com o Bolsonaro, que deveria ser tratado com mais elegância.
DESAGREGAÇÃO – Se Marco Aurélio foi o primeiro a altear a voz contra os arroubos de Alexandre de Moraes, que queria prender até quem falava mal dele em mesa de bar, o desembargador Sebastião Coelho da Silva juntou o gesto à palavra. Abandona o cargo em sinal de protesto. Disse ele o óbvio. Quando o magistrado fala fora dos autos, gera desagregação. É só o que vemos nesses dias. Em vez de pacificador de conflitos, o Judiciário brasileiro tem se transformado em gerador de conflagração.
OXIMORO – É uma contradição em si mesma o discurso em defesa da democracia. Quem a garante não são os ministros do STF, mas a Constituição. Aos togados, incumbe resguardá-la. Em reiteradas vezes, ministros do STF, Moraes à frente de todos, tem agido fora das quatro linhas. São antidemocráticos a pretexto de garantir que a democracia permaneça. No entanto, com esses atos, contribuem para que desfaleça.