Moraes invade o Congresso e impõe o caladão

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Já chega a 11 o número de parlamentares submetidos a medidas cautelares impostas pelo presidente do TSE, o imperador dos calvos, punidos com a censura nas redes sociais. O caladão que alcança deputados conta com a conivência do presidente da Câmara e do Senado, que não se insurgem contra usurpação de suas prerrogativas. A censura abrange não apenas cada parlamentar individualmente, mas a instituição representativa do povo como um todo.

A medida autoritária, que não encontra respaldo na Constituição, equivale a uma invasão à sede do parlamento. É como se o cavaleiro da triste figura, idealizando a democracia como sua Dulcineia, visse nas redes sociais os moinhos de vento contra os quais ele deveria se bater. Desta forma, ele adentra as dependências do Congresso, usando um aríete para arrombar a fortaleza erguida pelo artigo 53 e exige a rendição e vassalagem de quem ousou desafiá-lo.

O artigo 53 dá amplas garantias aos parlamentares, blindando-os para que possam falar, opinar e votar da forma como lhes aprouver. Quis assim o constituinte originário: “são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos”. Apesar de cristalino, o texto recebeu um adendo trazido pela PEC 35, de 2001. Foi acrescentado o pronome QUAISQUER “das suas opiniões, palavras e votos”. O mesmo artigo garante a imunidade até mesmo no Estado de Sítio. Nada disso foi suficiente para conter o ânimo punitivo de Moraes.

Há de se argumentar que essa imunidade poderia estar limitada ao múnus parlamentar, e quando exercido na casa legislativa. Mas foi o próprio STF que ampliou o conceito de dependências de atuação dos poderes. O regimento interno, embora não constitucional, tem força de lei. Por ele, a corte pode abrir inquérito para investigar crimes, desde que cometidos em seu recinto. Para justificar as ilegalidades que emprenharam o inquérito do fim do mundo, foi dito que o STF é onde quer que o magistrado esteja, até mesmo na internet.

Se a internet pode ser o locus onde se abriga cada um e o coletivo do STF, mais se pode dizer dos congressistas. Afinal, as redes sociais se tornaram a moderna ágora, berço da democracia ateniense, onde os principais assuntos eram discutidos. Ao calar a voz do parlamentar nas redes sociais, a Justiça exacerba de suas funções e impede o funcionamento de outro poder em seu principal desiderato: parlar.

Ao contrário dos ministros do STF, os parlamentares usam as redes sociais para interagir com seus representados. Sabe-se de alguns, como o senador Kajuru, que submetem suas decisões a enquetes com seus eleitores na internet. Se concordarmos com os dignos membros do STF, de que a internet é seu local de trabalho, é inescapável compreender que Moraes invadiu a casa parlamentar para lhes calar a voz e mitigar o exercício parlamentar, que deve ser amplo e sem peias.

Alexandre de Moraes não conhece limites. Como iniciamos o texto com o melhor da língua espanhola, no personagem eternizado por Cervantes, valho-me de outra enormidade de talento literário, Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho. No conto O Alienista, o médico Simão Bacamarte, criou a Casa Verde, um asilo para onde ele foi levando cada um que, segundo critérios próprios, não tinha sanidade.

Chegou a prender amigos, aliados e até a própria esposa. Ao fim e ao cabo, soltou a todos e prendeu a si mesmo, pois se compreendeu um ser de infinita perfeição, portanto, um mentecapto. Em Machado de Assis, o motivo era a falta de sanidade; no mundo de Moraes, é a falta de espírito democrático. Um dia, pode ser que caia em si, e assim como o Bacamarte do conto de Assis, compreenda que o antidemocrático é ele próprio.

Que não seja tarde demais.

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