Facção criminosa no Ceará: quais grupos atuam no Estado?
As facções criminosas são hoje, inquestionavelmente, a principal força motriz da violência armada no Ceará, cenário que deixa milhares de mortos todos os anos. Para entender melhor a dinâmica desses grupos, saiba quais agem no Estado, com uma recapitulação histórica.
Atualmente, são quatro as facções criminosas presentes no Ceará: Comando Vermelho (CV), Guardiões do Estado (GDE), Massa Carcerária (também conhecido como Neutros, Tudo Neutro e TDN) e Primeiro Comando da Capital (PCC).
Houve ainda o caso de uma facção que deixou de atuar no Estado, a Família do Norte (FDN), assim como as tentativas de estabelecimento de, pelo menos, duas outras facções, mas sem sucesso: Lost e Terceiro Comando Puro (TCP). Confira abaixo os principais marcos dessa história.
Primeiros passos de facção no Ceará: a ADA
A ação das facções no Estado tornou-se mais latente em meados de 2015. Até então, o crime organizado no Ceará era praticado, majoritariamente, a partir de gangues de bairro. Em 2001, por exemplo, as estatísticas da então Secretaria da Segurança Pública e Defesa da Cidadania (SSPDC) apontavam 2.878 ocorrências de “brigas de gangues”.
Apesar disso, as facções deram as caras no Ceará já na década de 1990. Em 1996, um dos maiores traficantes da história do CV, Uê, apelido de Ernaldo Pinto de Medeiros, foi preso em um hotel de luxo da avenida Beira-Mar.
Já naquela época, ele, porém, era considerado traidor da facção, tendo vindo a criar, anos depois, a facção Amigos dos Amigos (ADA), rival do CV. Em 2005, O POVO mostrou que um homem que conheceu Uê — que, posteriormente, tornou-se pastor — afirmava que o traficante tinha como meta montar “bases” nos bairros Pirambu e Serviluz.
A ADA também teve ligação com o Ceará por causa de Erismar Rodrigues Moreira, o Bem-Te-Vi, chefe do tráfico na comunidade da Rocinha, no RJ. Ele era cearense e, por isso, conforme a Polícia carioca, aliciava jovens da própria terra natal, Varjota, a 272km de Fortaleza para integrar a sua quadrilha.
Em 2007, outro chefe da ADA foi preso em Fortaleza, João Rafael da Silva, o “Joca da Rocinha”.
Facção Comando Vermelho (CV)
Mas foi o CV a primeira facção a ter registro de atuação no Estado, conforme consulta no banco de dados do O POVO. Em 1992, nove homens ligados à organização criminosa carioca foram presos no Ceará acusados de sequestrar uma empresária.
Um ano depois, a Polícia cearense anunciava ter “estourado” uma “base” do CV no bairro Álvaro Weyne. Na casa, foram apreendidas diversas armas e pichações com as iniciais da facção foram encontradas.
Dali a pouco mais de uma década, o CV seria apontado com a facção com atuação em mais territórios no Estado, de acordo com investigação da Delegacia de Combate às Ações Criminosas Organizadas (Draco).
A operação Annulare, deflagrada em 2021, apontou a presença da facção em, pelo menos, 49 municípios cearenses e 54 bairros de Fortaleza.
Já a iniciativa Portal Cearense aponta a presença da organização em 705 territórios, contra 555 da GDE, 102 do PCC e 82 da Massa Carcerária.
Facção Primeiro Comando da Capital (PCC)
Já o PCC despontou no Estado através de crimes contra instituições financeiras. Apontado como chefe-mor da facção, Marcos William Herbas Camacho, o Marcola, integrou a quadrilha que roubou cerca de R$ 1,4 milhão da sede da Nordeste Segurança de Valores (NSV), em Caucaia, no ano 2000.
Um ano antes, outra quadrilha ligada ao PCC levou R$ 6,9 milhões de uma empresa de segurança. Em 2005, houve o furto ao Banco Central, o maior da história brasileira até então, financiado e executado por integrantes da facção paulista.
Em 2002, ligações de detentos do Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS) foram interceptadas e a Polícia flagrou um homem que identificava como “SPC-PCC”, o que foi interpretado como “São Paulo Comando, Primeiro Comando da Capital”.
Em 2013, investigação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) afirmava que o Ceará tinha 120 integrantes do PCC.
Em abril de 2015, o Relatório de Inteligência nº 016/2015, da Coordenadoria de Inteligência (Coin) da SSPDS, apontava que as lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC) estavam ampliando o número de “batismos”, com o objetivo de “consolidar o comando em todas as unidades prisionais da Região Metropolitana”.
Externamente, porém, o posicionamento oficial da SSPDS naquela época era de não reconhecer a atuação das facções no Estado.
Facção Guardiões do Estado (GDE)
Paralelamente ao avanço do PCC, também passaram a “batizar” novos membros no Estado, o CV e a amazonense FDN. Os grupos chegaram ao Estado com um discurso de “paz”, “proibindo” roubos dentro de comunidades e defendendo que deveria haver uma aliança entre os criminosos contra o Estado.
Neste processo, surge uma facção cearense: a Guardiões do Estado. Conforme o “estatuto” da facção, a GDE foi criada em 1º de janeiro de 2016. O Relatório de Inteligência (Relint) nº 364/2020/Coint/SAP descreve que os sete fundadores da GDE tinham “fortes vínculos” com o PCC e as duas organizações foram aliadas até 2018.
Em pouco tempo, as facções arregimentaram um grande número de integrantes. Dados de 2018 da então Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) mostrava que, somente nos presídios, as quatro facções tinham 18.667 membros — 9.056 do CV, 5.718 da GDE, 3.230 do PCC e 663 da FDN.
Nas ruas, esse número era ainda maior: conforme depoimentos de lideranças da organização, a GDE passou a ter mais de 20 mil integrantes.
No final de 2016, a “pacificação”, que havia contribuído até mesmo para redução no número de homicídios no Estado, chegou ao fim. Dessa forma, foram formados dois eixos beligerantes: CV e FDN contra GDE e PCC.
Esse cenário gerou o ano mais violento já registrado no Estado, 2017, que teve 5.133 assassinatos. Em 2018, CV e FDN romperam no Amazonas a aliança que tinham, fazendo com que os integrantes da facção amazonense no Estado passassem a compor com a facção carioca. Com isso, a FDN se extinguiu no Estado.
Facção Massa Carcerária
Outro racha que alterou o cenário criminal cearense ocorreu em 2021, quando integrantes do CV insatisfeitos com a facção decidiram deixar o grupo. Os agora ex-integrantes da facção carioca passaram a se reivindicar como Neutros ou Massa, passando a ser, na prática, uma quarta facção.
O novo grupo passou a atuar em bairros como Jardim das Oliveiras e Grande Messejana, ambos em Fortaleza, além de Itapipoca e Caucaia — neste município, passaria a ser a facção com atuação em mais territórios.
Facção que não se estabeleceu
Nesse processo de racha ocorrido dentro do CV, uma outra organização, conhecida como Lost, formada por ex-membros do CV, tentou se firmar. Apesar de chegar a registrar atuação em locais como Jardim Violeta e Moura Brasil, o novo grupo não conseguiu se consolidar.
Outro grupo que não conseguiu se firmar no Estado foi a facção carioca TCP. A organização é aliada à GDE, e, em 2022, três homens que tinham cargo de liderança na facção cearense na região do Grande Jangurussu e Lagamar foram até o Rio de Janeiro para se juntar ao grupo.
Como o movimento não tinha anuência da cúpula da GDE, o trio foi considerado traidor e, por isso, uma série de homicídios teve início — cujo ápice foi uma chacina que deixou quatro mortos na comunidade do Lagamar.
Diante disso, o TCP não conseguiu prosperar no Estado e os descontentes com a GDE também passaram a considerar-se Massa.
Fonte- O Povo