Mãe de alunos prejudicados com laudos falsos espera por Justiça

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Conheça o drama vivido pela família da cabeleireira Silvia Karlla de Almeida. Seu filho Raul, o primogênito, hoje com 16 anos, era considerado de baixo rendimento escolar.

Para não puxar para baixo a média do IDEB na escola, ele foi alijado da avaliação externa em três ocasiões. Em cada uma delas, a escola deu um jeito diferente de evitar: no 2º ano, foi diagnosticado como retardo mental. Quando iria fazer prova no 5º ano, foi reclassificado para o 6º. Isto é, o aluno, que era tido como retardado, agora estava acelerado. E, por fim, na prova do 9º ano, foi transferido de escola, para cursar o EJA, numa turma à noite junto com adultos. Tudo isso deixou traumas no adolescente.

“Eu agradeço muito uma professora por ter aberto meus olhos na época, porque isso é tudo fraude, tudo mentira. Porque meu filho não tem nada. Tanto, que hoje está no primeiro ano do Ensino Médio, e não tenho nenhuma queixa da capacidade mental dele”. O desabafo é da mãe, Silvia Karlla de Almeida (42), que lembra, ainda com indignação, a situação vivida pelo filho mais velho, hoje com 16 anos de idade, no que diz respeito a sua saúde mental, quando cursava o 2º Ano do Ensino Fundamental. A fraude a qual a mãe se refere teria ocorrido na Escola Mocinha Rodrigues, no Bairro Terrenos Novos, periferia de Sobral.

De acordo com a mãe, a diretora seria responsável por um esquema de expedição em massa de laudos de retardo mental falso. “Um dia, ela pediu que eu levasse meu filho ao pediatra. Eu me senti mal com aquilo. Eu confiei no que ela falava. Me disseram, em uma segunda consulta médica, que, com o laudo, eu conseguiria uma aposentadoria no INSS para o Raul, mas isso não foi possível, pois a perícia da Previdência constatou que ele não tinha nada”; relatou a mãe, citando que, à época, a criança sofria com as constantes piadas dos outros estudantes, chegando a se isolar de grupos, apesar dele mesmo afirmar sentir-se apto para exercer as atividade escolares normais.

O laudo, assinado no dia 11 de setembro de 2014, pelo médico Francisco Manoel Guedes Nobre, atestava que o estudante “possuía um importante atraso escolar e apresenta déficit cognitivo, sendo inapto para atividades da vida diária. Clinicamente compatível com retardo mental, necessitando de acompanhamento multidisciplinar”. O documento foi expedido pelo Centro de Especialidades Médicas (CEM). Raul permaneceu na mesma escola até a metade do ano letivo de 2013,quando cursava o 4º Ano, numa sala dedicada a Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Apesar do atraso apontado pelo laudo, o aluno não cursou o 5º Ano. Não por coincidência, o ano em que seria avaliado para o Ideb. De acordo com o Histórico Escolar do estudante, expedido pela Escola Netinha Castelo, ele foi reclassificado para o 6º Ano, amparado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB- 9.394/96), em seu inciso V, alínea C, que especifica a “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries, mediante verificação do aprendizado”.

“Quando chegou no 9º Ano, ele foi transferido de escola e colocado numa turma com pessoas mais velhas, à noite. Passou a cursar o EJA – Educação pra Jovens e Adultos. “Eu não entendia, não sabia como resolver. Eu achava que era para o bem dele, como me diziam as professoras, por causa do laudo. Diziam que ele precisava desse reforço. Meu filho nem lembra como fez as provas do 9º Ano, quer esquecer”, explica a cabeleireira, emocionada, alertada por outra professora sobre a real situação do filho. “ Ela abriu meus olhos. Hoje, o Raul ainda tem dificuldade, apesar de estar no 1º, em uma escola que ele gosta bastante. Para mim, o colégio foi culpado de tudo isso. Me sinto enganada”, conta a mãe, com os olhos cheios de lágrimas.

Sob nova direção, a escola voltou a repetir a mesma ação, dessa vez com o filho mais novo de Silvia Karlla que, aos 11 anos de idade, foi avaliado, quando cursava o 4º Ano, pelo mesmo pediatra, com Transtorno de Déficit de Atenção sem Hiperatividade TDAH. “Dessa vez, a consulta foi no CAPS, e ele nem olhou para o menino. Eu duvidei do resultado. Eu disse que não aceitaria outro laudo. Na escola, eu pedi as cópias do laudo das mãos da coordenadora da escola. Ela não gostou muito, mas me devolveu o documento. Agora está tudo no Ministério Público, para resolver”, explica Silvia Karla, com expectativa.

O mesmo garoto recebeu dois laudos. Um deles é falso. E a mãe ainda foi aconselhada a dar entrada num pedido de benefício na Previdência. A perícia negou, é claro. O menino não tinha nenhuma anormalidade.

Só duas disciplinas: Português e Matemática

A mãe relata a reclamação do menino (12), aluno do 6º Ano, matriculado em outra instituição, que garante ter, em sua maioria, aulas de apenas duas disciplinas: Português e Matemática. “Eu não quero dizer qual é a escola, mas ele diz que as professoras falam que tudo isso é por causa de uma avaliação, onde os alunos têm que tirar nota boa. Isso serviria como reforço, e com a promessa de ter de volta as outras disciplinas”, relata a mãe, além de dizer que o filho sente um certo desconforto por ter divisões de salas, por desempenho dos estudantes com a situação de aprendizado considerado Muito Crítico, Crítico, Intermediário e Adequado. “Eu coloquei meu filho no reforço, mas não tenho dinheiro; ele já vai sair”, revela.

De acordo como Ministério Público do Estado, o esquema de laudos e outros crimes envolvem outras escolas, diretores e professores do Sistema Municipal de Educação de Sobral. O processo, que investiga fraudes nos resultados das avaliações da prova do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE), já passa das cinco mil laudas, e corre, parcialmente, em segredo de Justiça. O Ministério Público Federal também segue em investigações. O caso veio a público por meio da uma série de reportagens realizadas pelo jornalista Wellington Macêdo, utilizada como prova, no processo.

Conforme o Sobral Post apurou, o Ministério Público confirma fraudes nas escolas de Sobral. Segundo a representação do MPE, entre vários ilícitos constatados, há “a substituição de alunos de baixo rendimento escolar, por alunos de ótimo desempenho para burlar os índices estaduais e nacionais; a emissão falsa de laudos atestando problemas cognitivos de aprendizado e, até mesmo, deficiências; bem como adulteração de notas dos alunos de baixo rendimento escolar no Sistema Integrado de Gestão Escolar (Sige)”, ferramenta voltada à automação de processos para o controle interno de uma escola, o que permite o amplo gerenciamento pela Secretaria de Educação do Município e Estado.

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1 Resultado

  1. Wellington Macedo disse:

    Parabéns pela lisura e clareza da reportagem.

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